(Domingos Amaral)
Episódio Nº 20
Se os Trava queriam guerrear Afonso Henriques e este não se entendia com Chamoa, que podia ele fazer?
Passava horas com o filho
mais crescido de Paio Soares, a quem fora dado o nome de Pêro Pais. Com quase
cinco anos era um menino esperto e de olho vivo, com um cabelo pejado de caracóis,
como o falecido pai, e um espírito deveras inqui sidor.
Foi esse insaciável desejo
de saber que o levou, ao escutar uma conversa entre os Trava durante a tarde do
Natal, a perguntar ao avô:
- O que é uma relíqui a
sagrada?
Gomes Nunes sempre pronto a
esclarecer o neto, dessa vez ficou atrapalhado e sugeriu que ele fosse ter com
a mãe, pois aqueles não eram assuntos de criança.
Arguto, o menino rumou ao
quarto de Chamoa e repetiu à mãe a pergunta. Alertada a minha cunhada deduziu
que Fernão Peres continuava a conspirar contra Afonso Henriques e que ia
lançar-se para sul à procura do religioso artefacto.
Ao escutá-lo, Pêro Pais
exclamou, revoltado:
- Fernão Peres não pode
roubar o nosso príncipe!
Apesar de tenra idade, Pêro Pais
sabia que o pai,, Paio Soares estivera do lado errado da guerra, em São Mamede. Fora
Afonso Henriques que o atacara brutalmente, deixando-o tão combalido que a
morte fora uma inevitabilidade.
Porém, nem isso beliscava a
forte admiração do rapaz pelo príncipe de Portugal.
É como eu, ama o Afonso.
Emocionada, a mãe abraçou-o
com força e disse:
- Vosso pai admirava muito Afonso Henriques,
mas jurou lealdade a Dona Teresa. Não foi capaz de a trair, por isso morreu...
O filho, mais interessado no
presente do que no passado, perguntou-lhe de pronto:
- Que ides fazer?
Chamoa limitou-se a pedir ao
menino que se mantivesse atento, escutando as conversas dos outros Trava, mas
no seu espírito germinava já um plano assaz requi ntado.
Depois de comida a ceia do
Natal pela família, aproximou-se discretamente de Mem Tougues e disse-lhe em
voz ternurenta:
- Gostava de ter a vossa companhia esta noite.
O primo era aquele tipo de
homem que acreditava piamente no que ouvia. Magro como um espeto, de cara pálida
e barba rala, vivia numa permanente agitação calada, como se a revelação pública
dos seus pensamentos o torturasse, com medo das consequências.
Talvez para compensar tanta
hesitação verbal, era exageradamente vaidoso e vestia-se aprumado, com meias
longas e saiotes curtos, esperando certamente que a vistosa roupa ofuscasse a
sua fraca personalidade.
Os olhos quase lhe saltaram
das órbitas, pois não esperava tanta folga da prima. Embora fosse apaixonado
por Chamoa há anos, tinha-a possuído uma única vez, no ano anterior, num campo
próximo do mosteiro de Vairão. Fora o suficiente para lhe gerar um filho, mas
nunca mais ela o aceitara!
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