A Profecia da Normanda
Episódio Nº 7
Mirou Afonso Henriques e no
seu olhar não havia nenhuma recriminação ou indício de atribuição de culpa,
pois não considerava o príncipe responsável pelo suicídio de Raimunda.
Com um sorriso compreensivo,
interrogou-se:
- Quem somos nós para
entender o mistério da vida e da morte?
- Porque se matou Raimunda?
Porque não foi bem amada por mim, seu pai? Talvez... nunca soube como falar com
ela.
Meu tio sempre tratara a
filha com alguma distância, mas isso era habitual com os bastardos e as
bastardas. Agora que ela já não estava entre nós, admitia a possibilidade de
lhe ter faltado com algo, carregando a tormenta póstuma de um progenitor
alheado.
- Não me lembro de a ter
abraçado uma única vez – depois, olhando de novo para o príncipe, murmurou: -
Como vedes não sois o único a sofrer com as mulheres.
De repente, Afonso Henriques
ergueu a sobrancelha, pois nascera nele um laivo de curiosidade.
Como morreu a mãe dela?
Meu tio Ermígio torceu o
rosto num esgar como se lhe causasse dor ter de revisitar tempos antigos. Mas
respondeu:
- Ao dar à luz.
Tanta parcimónia descritiva não
satisfez Afonso Henriques, que qui s
saber quem era ela e onde meu tio a conhecera. O príncipe parecia pela primeira
vez interessado numa história exterior a si mesmo e Ermígio Moniz lá acabou por
narrar o nascimento de minha prima.
Partido de Lamego, meu tio
rumara a Compostela, visitara Leão, Sahagún e Toledo. Depois descera a terras
muçulmanas, a Oreja, Jean, Sevilha, Córdova e Mérida, e por lá conhecera uma
rapariga tímida, mas muito carinhosa, a quem se afeiçoara.
Dominado pelos imperativos
masculinos, curou com ela uma parcela do seu anterior desgosto e, embalado por
aquele doce interregno de ternuras, não pensara em partir até ao dia ao dia em
que fora surpreendido pelo inesperado desaparecimento da moça.
Permanecera semanas no
local, sempre à espera de que a jovem reaparecesse, mas, como isso não
aconteceu foi forçado a seguir a sua viagem.
Conhecida a Andaluzia árabe,
subira a Saragoça e a Barcelona onde apanhara um barco até Roma.
Mais de um ano depois,
quando se sentiu em paz e aceitou finalmente o seu destino inglório de viúvo,
decidiu regressar e, como sempre acontece com os homens tristes que se apegam a
uma mulher, voltou à cidade onde se sentira bem.
Contudo, o destino
presenteou-o com novo desgosto, quando encontrou na casa onde estivera apenas
uma velha criada com uma criança nos braços, órfã da mãe que a gerara.
- Foi um segundo e cruel sofrimento.
Como a idosa ameaçasse
entregar a menina, meu tio tomou posse da bastarda e regressou ao condado
Portucalense.
- Tentei tudo para que Raimunda fosse feliz, a
viver convosco, seus primos – disse Ermígio Moniz, olhando para mim.
Ainda curioso, o príncipe
perguntou:
- Como se chamava a mãe dela?
A falecida respondia pelo
nome de Aqsa e logo Afonso Henriques qui s
saber se era moura, o que meu tio confirmou. Antes do desaparecimento, haviam
combinado que ela se converteria ao cristianismo, se ficassem juntos, coisa que
nunca veio a acontecer.
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