A Vitória do Imperador
A Profecia da Normanda
Episódio Nº 13
Coimbra, de 1131
Naquele novo ano, apesar de já saciado por Elvira, Afonso Henriques estava ainda desgostoso com Chamoa e por isso decidiu rumar ao sul e passar a Páscoa em Coimbra, levando a sua pequena corte com ele.
O príncipe admirava cada vez
mais aquela povoação, a sua dimensão, o seu comércio, a sua agitação urbana e a
forma como os habitantes, independentes e orgulhosos da sua autonomia,
governavam a cidade em conjunto.
Havia em Coimbra um intenso
respeito pelos muitos moçárabes que ali viviam, mas também por muçulmanos e
judeus, apesar destes serem poucos.
Coimbra era a maior cidade
do Condado e também a mais populosa acima do Tejo. Nem Santarém, nem em Lisboa,
havia tanto povo a viver.
Para mais, desde que era
regente do Condado, logo após a batalha de são Mamede, o príncipe revelara os
seus dotes de bom governante e a situação dos habitantes melhorara, havendo
desaparecido muitos dos mendigos que antes percorriam a região. Mesmo perante a
dureza do último inverno, a fome não fustigara as gentes daquela terra.
Só uma inesperada e, a princípio,
pequena querela veio perturbar a harmonia local. O bispo de Coimbra, de seu
nome Bernardo, um culto francês há muitos anos vindo de Borgonha e que passava
horas a escrever na Sé um livro sobre a vida de São Geraldo, mostrara forte
relutância em aceitar a constante presença de Afonso Henriques na povoação que
antes supervisionara sem concorrência.
Além disso, o bispo nutria
forte antipatia pelos muitos cónegos e religiosos que pretendiam instalar-se na
região, animados pela promessa de expansão do Condado para Sul e pela iminente
luta contra os mouros abaixo do Mondego.
Homens como o prior Teotónio
que deixara Viseu, ou o arcediago Telmo, estavam agora muitas vezes em Coimbra,
descrevendo a peregrinação que haviam feito a Roma ou à Terra Santa,
glorificando as vantagens da vida apostólica dos eremitas, o que muito irritava
o bispo.
Certo dia, o príncipe, meu
tio Ermígio Moniz, que era o mordomo-mor do Condado, Gonçalo de Sousa e eu,
regressávamos de um passeio a cavalo a Montemor- o –Velho e ao entramos na
cidade pela porta ocidental, a da Almedina, cruzámo-nos com o arcediago Telo e
com João Peculiar, o mestre escola da Sé que no passado fora eremita nos vales
do Douro.
Montados cada um na sua mula,
eles preparavam-se para dar umas voltas fora das muralhas. Telo contava mais de
cinquenta anos e os seus cabelos totalmente brancos, bem como a imponente
presença física, geravam respeito em todos, embora se sentisse já, na postura
quebrada e nas costas cansadas, o peso da idade e de uma saúde em perda.
Quanto ao seu acompanhante,
eram conhecidas a sabedoria e a inteligência, e muitos previam um brilhante
futuro para João Peculiar, cuja fina figura, nariz pronunciado, queixo pontiagudo
e polpudas sobrancelhas, a que se juntava uma intencional careca, pois rapava o
cabelo rente, compunham, no entanto, um conjunto pouco simpático que provocava
receio nos menos firmes de espírito.
Realizados os cumprimentos,
Afonso Henriques fixou o olhar na belíssima sela do animal de Telo e, não sendo
capaz de conter a curiosidade, perguntou onde o outro a comprara.
- Em Montpelier, respondeu o
religioso.
Descreveu-nos o seu recente
périplo por longínquas paragens até à Cidade Santa de Jerusalém.
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