Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 158
Aponta para os cômoros de Mangue Seco que surgem em meio à rebentação, erguida diante do mar; do embate com os vagalhões eleva-se uma cortina de água. A voz do Comandante, ardente:
- Já pensou, tudo isso coberto pela poluição? O progresso é uma boa coisa mas é preciso saber que espécie de progresso – Pousa os olhos em Tieta.
- Voltando ao que eu dizia: se formos apenas eu, Barbozinha, Carmosina, uns dois ou três mais, a protestar, pouco vai adiantar. Mas se você, Tieta, se juntar a nós, levantar a voz, tomar a frente, aí a coisa muda…
- Eu, Por quê?
- Porque, para o povo de Agreste você é a tal. Com razão: a luz da Hidrelétrica, a velhinha salva no incêndio, a sua figura, a sua bondade, a franqueza, seu amor à vida. Para a gente de Agreste, depois da Senhora Sant’Ana, está você. O que você diz faz lei. Não se deu conta disso?
- Sei que gostam de mim, sempre gostaram. Quem me botou para fora de Agreste foi o Velho, com medo da língua das beatas, não foi o povo. Gostam de mim mas daí… Por que hei de me meter, me diga Comandante? Adoro minha terra, penso vir acabar meus dias aqui, quando a idade chegar. Mas daí a me meter numa briga dessas…
- É sua obrigação, permita que eu lhe recorde. Você diz que adora Agreste e é verdade: comprou casa na cidade, está construindo outra em Mangue Seco, só lastimo que não fique de vez, sem esperar a velhice – Sorriu para Tieta com amizade – Você já pensou que, se cruzar os braços agora, quando quiser voltar, nada disso existe, acabou tudo, Mangue Seco virou um esgoto da fábrica de titânio? Já pensou no motivo por que nenhum país do mundo quer essa indústria em suas terras?
Tieta não responde, os olhos fixos na paisagem que vai se ampliando diante dela, a imensidão do mar de Mangue Seco. Sua terra, seu princípio, ali começou. Nos outeiros de Agreste, pastoreando cabras, nas dunas de Mangue Seco, coberta pela primeira vez. Sua terra? Seu começo, sim.
- Já pensou, tudo isso coberto pela poluição? O progresso é uma boa coisa mas é preciso saber que espécie de progresso – Pousa os olhos em Tieta.
- Voltando ao que eu dizia: se formos apenas eu, Barbozinha, Carmosina, uns dois ou três mais, a protestar, pouco vai adiantar. Mas se você, Tieta, se juntar a nós, levantar a voz, tomar a frente, aí a coisa muda…
- Eu, Por quê?
- Porque, para o povo de Agreste você é a tal. Com razão: a luz da Hidrelétrica, a velhinha salva no incêndio, a sua figura, a sua bondade, a franqueza, seu amor à vida. Para a gente de Agreste, depois da Senhora Sant’Ana, está você. O que você diz faz lei. Não se deu conta disso?
- Sei que gostam de mim, sempre gostaram. Quem me botou para fora de Agreste foi o Velho, com medo da língua das beatas, não foi o povo. Gostam de mim mas daí… Por que hei de me meter, me diga Comandante? Adoro minha terra, penso vir acabar meus dias aqui, quando a idade chegar. Mas daí a me meter numa briga dessas…
- É sua obrigação, permita que eu lhe recorde. Você diz que adora Agreste e é verdade: comprou casa na cidade, está construindo outra em Mangue Seco, só lastimo que não fique de vez, sem esperar a velhice – Sorriu para Tieta com amizade – Você já pensou que, se cruzar os braços agora, quando quiser voltar, nada disso existe, acabou tudo, Mangue Seco virou um esgoto da fábrica de titânio? Já pensou no motivo por que nenhum país do mundo quer essa indústria em suas terras?
Tieta não responde, os olhos fixos na paisagem que vai se ampliando diante dela, a imensidão do mar de Mangue Seco. Sua terra, seu princípio, ali começou. Nos outeiros de Agreste, pastoreando cabras, nas dunas de Mangue Seco, coberta pela primeira vez. Sua terra? Seu começo, sim.
Sua terra, porém é São Paulo, a cidade imensa, afarista, poluída, solitária. Lá estão plantados seus interesses: o negócio rendoso, o mais fechado e caro "randevu" do Brasil, o Refúgio dos Lordes, os apartamentos, a loja no andar térreo, um dinheirão mensal, cada vez maior, por que há de se envolver com as encrencas de Agreste?
Antes foi Tieta, a pastora de cabras a soltar o berro do desejo nos cômoros de Mangue Seco. Agora é Madame Antoinette, patroa de raparigas, cafetina a serviços de milionários. Nada lhe cumpre fazer ali, nesses confins do mundo. Se poluírem as águas e os céus de Agreste, a beleza de Mangue Seco, tant pis.
Na voz do comandante uma súplica desesperada:
- Só você, com seu prestígio, pode salvar Agreste.
Endurece a face de Tieta, Madame Antoinette. Nada mais tem a fazer em Agreste, é tempo de retornar a são Paulo. Visitou a família. Desfrutou da paz da terra, beneficiou os seus e a comunidade, atendeu aos pobres, basta. Nada mais lhe cumpre fazer, repete para si mesma.
Apenas deixar que as águas corram. Um dia voltará e, se valer a pena, retirada dos negócios, velha e respeitável senhora, ali passará os últimos anos da sua vida. Bom lugar para esperar a morte, dizia o caixeiro-viajante responsável pela surra e pela expulsão. Não fosse para vê-la e tê-la nos braços, nos esconsos do rio, fugiria do caminho que conduz aos infelizes limites de Agreste.
Tinha razão, isso aqui só serve para se esperar a morte, clima de sanatório, tranquilidade e paz, paisagem incomparável. Vai responder um não redondo ao comandante quando uma dúvida a atravessa: será que no mundo já não se tem direito à existência de um lugar, um único que seja, bom para nele se esperar a morte?
- Se você disser não, Tieta, acabou-se Agreste, é o fim de Mangue Seco.
Antes que ela abra a boca, a voz de Ricardo chega do fundo da canoa, imperativa:
- A tia vai dizer sim, Comandante. Não vai deixar que arrasem Mangue Seco. Senão por que havia de fazer o Curral do Bode Inácio?
Tieta volta-se, seu menino cresceu, de repente virou homem feito. Num espanto o escuta, acento decidido, inflexível:
- Li o artigo do jornal, Comandante, seu Barbozinha me mostrou. A tia não vai deixar que acabem com os peixes e os pescadores. Nem ela, nem eu. Se achar que eu sirvo para alguma coisa, pode contar comigo, comandante.
Na voz do comandante uma súplica desesperada:
- Só você, com seu prestígio, pode salvar Agreste.
Endurece a face de Tieta, Madame Antoinette. Nada mais tem a fazer em Agreste, é tempo de retornar a são Paulo. Visitou a família. Desfrutou da paz da terra, beneficiou os seus e a comunidade, atendeu aos pobres, basta. Nada mais lhe cumpre fazer, repete para si mesma.
Apenas deixar que as águas corram. Um dia voltará e, se valer a pena, retirada dos negócios, velha e respeitável senhora, ali passará os últimos anos da sua vida. Bom lugar para esperar a morte, dizia o caixeiro-viajante responsável pela surra e pela expulsão. Não fosse para vê-la e tê-la nos braços, nos esconsos do rio, fugiria do caminho que conduz aos infelizes limites de Agreste.
Tinha razão, isso aqui só serve para se esperar a morte, clima de sanatório, tranquilidade e paz, paisagem incomparável. Vai responder um não redondo ao comandante quando uma dúvida a atravessa: será que no mundo já não se tem direito à existência de um lugar, um único que seja, bom para nele se esperar a morte?
- Se você disser não, Tieta, acabou-se Agreste, é o fim de Mangue Seco.
Antes que ela abra a boca, a voz de Ricardo chega do fundo da canoa, imperativa:
- A tia vai dizer sim, Comandante. Não vai deixar que arrasem Mangue Seco. Senão por que havia de fazer o Curral do Bode Inácio?
Tieta volta-se, seu menino cresceu, de repente virou homem feito. Num espanto o escuta, acento decidido, inflexível:
- Li o artigo do jornal, Comandante, seu Barbozinha me mostrou. A tia não vai deixar que acabem com os peixes e os pescadores. Nem ela, nem eu. Se achar que eu sirvo para alguma coisa, pode contar comigo, comandante.
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