sexta-feira, junho 03, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)





Episódio Nº 23

















Pouco depois os três apresentaram-se no centro do terreiro, onde Ramiro, já vestido com a sua cota de malha, examinava um cadáver, enquanto Jean Raymond confirmava que o estranho cavaleiro chegara a Soure degolado.

- A cabeça deve ter caído quando foi decapitado.

O observador Ramiro produziu uma conclusão imediata.

- É um galego.

O Velho deu um passo em frente e perguntou-lhe:

 - Como sabeis?

O bastardo de Paio Soares apontou para as insígnias na sela do animal onde se viam as insígnias da família Trava. Ainda surpreendido interrogou-se:

 - O que faz um homem de Fernão Peres tão longe de casa?

O cavaleiro sem cabeça viera do sul e, portanto a sua morte acontecera em território muçulmano.

- Será um mensageiro? - perguntou o Rato.

Ramiro nem pestanejou quando o viu aproximar, não revelando qualquer sentimento especial.

O Rato notou, mais uma vez, que o seu amante era hábil a esconder de terceiros a simpatia por ele.

Era uma das coisas que o Rato amava em Ramiro, a capacidade para a dissimulação, além dos braços fortes e das cristas ilíacas protuberantes.

Mensageiro de quem? E para quem? – perguntou o ríspido Ramiro.

Para tirar aquilo a limpo, mestre Jean ordenou que se preparasse uma expedição. A sul de Soure, existiam umas aldeias a poucas horas de cavalo, talvez alguém tivesse visto o infeliz.

O pequeno grupo de escolhidos foi liderado por Ramiro, e o Rato, bem como o Peida Gorda, juntou-se naturalmente a ele.

Os quatro eram os últimos sobreviventes do colectivo original que se formara seis anos antes, em Viseu, cujo objectivo era procurar a relíquia da Terra Santa.

Da última vez que havia estado com Afonso Henriques, uns dias antes, em Coimbra, Ramiro sentira o seu desapontamento.

Pai, ele zangou-se comigo...

O príncipe encarregara os templários de Soure de encontrarem a bruxa, a única que conhecia o mistério da relíquia, mas eles não o haviam conseguido.

A mulher de negro, ou morrera, como Ramiro acreditava, ou nunca voltara à caverna onde vivera uns anos antes.

Teria aquele galego morto alguma ligação à velha bruxa?

Foi decapitado por um alfange -  garantiu o Velho.

Colocara o seu cavalo a passo, ao lado do comandante do grupo. Magro, seco de carnes, com um cabelo ralo que ainda realçava mais as mil e uma rugas que lhe cobriam a cara e a garganta, o mais idoso dos templários possuía uma serenidade no olhar que acalmava.

 - Zhakaria? – interrogou-se Ramiro.

O Velho lutara nas tropas de El Cid, em Valência, o seu conhecimento dos hábitos guerreiros era vasto e recordou que Abu Zhakaria era um exímio mestre com o alfange.

Aquela cabeça saltara de uma só vez, com um golpe implacável do cordovês.


- Só ele e os assassins cortam assim cabeças – sentenciou o Velho.

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