quinta-feira, junho 02, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 22



















Torcendo os lábios finos, o malicioso galego avisou-a de que, se a lealdade familiar dela falhasse, medidas drásticas seriam tomadas.

Perverso como uma cobra franziu a sua testa alta e terminou com uma ameaça velada:

 - Vossos filhos são tão jovens...

Atordoada de aflição, Chamoa sentiu gelar-se por dentro. Porém, espantou-se ao ouvir a voz infantil de Pêro Pais, que ao seu lado, explicou, com um descaramento surpreendente:

 - Minha mãe deseja saber se minha tia Maria está grávida.

A esperteza ágil do garoto susteve o Trava, que se limitou a informar a sobrinha de que, a partir dessa data, seria vigiada por soldados. Mais tarde, justificou perante a família a decisão com uma falsidade grotesca.

Contou que em Tui, corria o rumor, obviamente inventado, de que Afonso Henriques desejava raptar a rapariga galega.

Acreditando cegamente no tio, o aterrado Mem Torres, concordou com aquelas providências castradoras e Chamoa passou a ser seguida, havendo impossibilidade de nos informar.

A grande guerra contra Portugal estava lentamente a iniciar-se, as portas do inferno iam abrir-se para nós, mas por minha culpa, minha tão grande culpa, não fomos avisados a tempo...



                                

                                I I

                Às Portas do Inferno

                              1132








Soure, Julho de 1132



 De madrugada, o Rato vestiu-se e abandonou a casota de Ramiro. Este ainda dormia em cima do colchão e o pequeno templário sorriu, enamorado.

Gostava daquele bastardo bonito e musculado, cujo corpo adormecera com exercício físico a que se obrigava. Uma vez por semana, praticavam aqueles jogos proibidos em segredo, mesmo sabendo que arriscavam a condição de monges guerreiros.

Se Martinho, prior se Soure, os topasse, podiam ser expulsos da Ordem do Templo de Salomão, mas a excitação era tanta que cegavam.

O magro e esguio Rato regressou à casota que partilhava com o Peida Gorda. Ao entrar, riu baixinho perante o fortíssimo ressonar do colega. Nem um exército de muçulmanos a entrar pela alcáçova a entrar pela alcáçova de Soure perturbaria o sono daquele balofo!

Estava já a enrolar-se na manta quando ouviu vozes. Percorreu-o um arrepio de receio. Teria sido visto? Manteve-se quieto, escutou uma correria agitada, um soldado batia à porta da casota de Ramiro.

Aterrado, pediu a Deus que não o denunciassem. A sodomia era um pecado mortal, seria certamente expulso de Soure. Pior do que isso, Ramiro perderia a posição importante que ali ocupava, o segundo na hierarquia, logo abaixo do Mestre Jean Raymond.

Tenso e hirto, o Rato aguardou, enquanto a barafunda prosseguia. Nas casotas em redor, ouviu cavaleiros a saírem para o terreiro e, cada vez mais inquieto, o Rato viu o Velho abrir a porta e espreitar.

Notando-o já desperto, o outro gritou:

 - Peida Gorda toca a levantar! Chegou um cavalo com um morto... Há sarracenos na região!


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