(Domingos Amaral)
Episódio Nº 22
Torcendo os lábios finos, o
malicioso galego avisou-a de que, se a lealdade familiar dela falhasse, medidas
drásticas seriam tomadas.
Perverso como uma cobra
franziu a sua testa alta e terminou com uma ameaça velada:
- Vossos filhos são tão jovens...
Atordoada de aflição, Chamoa
sentiu gelar-se por dentro. Porém, espantou-se ao ouvir a voz infantil de Pêro
Pais, que ao seu lado, explicou, com um descaramento surpreendente:
- Minha mãe deseja saber se minha tia Maria
está grávida.
A esperteza ágil do garoto
susteve o Trava, que se limitou a informar a sobrinha de que, a partir dessa
data, seria vigiada por soldados. Mais tarde, justificou perante a família a
decisão com uma falsidade grotesca.
Contou que em Tui, corria o
rumor, obviamente inventado, de que Afonso Henriques desejava rapt ar a rapariga galega.
Acreditando cegamente no
tio, o aterrado Mem Torres, concordou com aquelas providências castradoras e
Chamoa passou a ser seguida, havendo impossibilidade de nos informar.
A grande guerra contra
Portugal estava lentamente a iniciar-se, as portas do inferno iam abrir-se para
nós, mas por minha culpa, minha tão grande culpa, não fomos avisados a tempo...
I I
Às Portas do Inferno
1132
Soure, Julho de 1132
De madrugada, o Rato vestiu-se e abandonou
a casota de Ramiro. Este ainda dormia em cima do colchão e o pequeno templário
sorriu, enamorado.
Gostava daquele bastardo bonito e
musculado, cujo corpo adormecera com exercício físico a que se obrigava. Uma
vez por semana, praticavam aqueles jogos proibidos em segredo, mesmo sabendo
que arriscavam a condição de monges guerreiros.
Se Martinho, prior se Soure, os topasse,
podiam ser expulsos da Ordem do Templo de Salomão, mas a excitação era tanta
que cegavam.
O magro e esguio Rato regressou à casota
que partilhava com o Peida Gorda. Ao entrar, riu baixinho perante o fortíssimo
ressonar do colega. Nem um exército de muçulmanos a entrar pela alcáçova a
entrar pela alcáçova de Soure perturbaria o sono daquele balofo!
Estava já a enrolar-se na manta quando
ouviu vozes. Percorreu-o um arrepio de receio. Teria sido visto? Manteve-se qui eto, escutou uma correria agitada, um soldado
batia à porta da casota de Ramiro.
Aterrado, pediu a Deus que não o
denunciassem. A sodomia era um pecado mortal, seria certamente expulso de
Soure. Pior do que isso, Ramiro perderia a posição importante que ali ocupava,
o segundo na hierarqui a, logo abaixo
do Mestre Jean Raymond.
Tenso e hirto, o Rato aguardou, enquanto a
barafunda prosseguia. Nas casotas em redor, ouviu cavaleiros a saírem para o
terreiro e, cada vez mais inqui eto,
o Rato viu o Velho abrir a porta e espreitar.
Notando-o já desperto, o outro gritou:
-
Peida Gorda toca a levantar! Chegou um cavalo com um morto... Há sarracenos na
região!
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