(Domingos Amaral)
Episódio Nº 80
Lisboa, Setembro de 1133
Ansiosas com a notícia de
que Abu Zhakaria tinha sido nomeado governador de Santarém pelo califa Ali
Yusuf, o que levantava dúvidas sobre as suas lealdades, as princesas sabiam
igualmente que existia uma nova oportunidade
para encontrar a relíqui a,
pois Afonso Henriques iria para Norte e o fossado de Peres Cativo, fora
suspenso.
Porém, Zaida andava
desagradada, pois Mem já fora a Lisboa três vezes e não encontrara Sohba. Com
subtileza fina, duvidara da motivação dele, insinuando que só ia a Lisboa para
continuar a receber carícias.
O esperto almocreve percebeu
a mensagem implícita: ou encontrava Sohba ou os mimos de Zaida paravam de vez,
coisa que não desejava.
Na manhã seguinte a este
aviso, despedira-se dela com um beijo na boca e a promessa solene de encontrar
a velha mulher e, agora que chegara a Lisboa pela quarta vez, estava certo de
que seria bem sucedido, sobretudo depois de ouvir o comentário de uma jovem
soldadeira.
Pergunta adiada, tarde estragada...
Mem, conhecera-a na sua ida
inicial à cidade onde o Tejo desaguava. Era uma rapariga muito magra e não
especialmente bonita que vendia o corpo numa ruela de Alfama, mas que saía a
perder com muitas das outras soldadeiras que lhe faziam concorrência.
Porto marítimo que ligava os
mares africanos e mediterrânicos aos do Norte, por Lisboa passava toda a
espécie de gente, oriunda das mais diversas proveniências, o que dava um
colorido único à povoação.
Pelas ruas daquela Almedina,
tanto se podiam ver berberes ou normandos, como escravos loiros ou negros,
adoradores de Maomé ou de Cristo. Embora existissem mesqui tas,
igrejas e até uma sinagoga, com o seu imã, bispo ou rabi, a presença religiosa
era como um eco distante e poucos na cidade ligava ao seu Deus, limitando-se a
despachar as rezas e a seguir os imperativos das tentações.
Em Lisboa, abundavam os
pecadores. As lojas dos artífices, as feiras da lavoura, o porto, enchiam-se de
indivíduos que, mal feito o negócio público, corriam a saborear o seu vício
privado.
Almocreves e artífices,
criadas e padeiras, soldadeiras e falsos jograis, até esposas e esposos de
alguma nobreza, aceitavam em plena rua os pedidos dos mais apressados.
Eufóricos, abraçavam-se com
matronas mal dobravam uma esqui na,
beijavam mineiros de Adriça ainda na soleira das suas portas, ou amigavam-se a
escravos nos logradouros das traseiras das casas, sem pudor ou pausa.
A cidade parecia possuída
pela ânsia de fornicar. Para Mem, um sedutor habituado à conversa serena, ao
galanteio e ao mimo doce, aquela velocidade de acasalamento soava demasiado
agressiva, pois para ele, qualquer encontro a dois, por mais fugaz que fosse,
tinha necessidade de respeitar um ritual próprio, onde era essencial existir um
mínimo de encanto mútuo.
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