quinta-feira, setembro 08, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 80




















Lisboa, Setembro de 1133

Ansiosas com a notícia de que Abu Zhakaria tinha sido nomeado governador de Santarém pelo califa Ali Yusuf, o que levantava dúvidas sobre as suas lealdades, as princesas sabiam igualmente que existia uma nova oportunidade  para encontrar a relíquia, pois Afonso Henriques iria para Norte e o fossado de Peres Cativo, fora suspenso.

Porém, Zaida andava desagradada, pois Mem já fora a Lisboa três vezes e não encontrara Sohba. Com subtileza fina, duvidara da motivação dele, insinuando que só ia a Lisboa para continuar a receber carícias.

O esperto almocreve percebeu a mensagem implícita: ou encontrava Sohba ou os mimos de Zaida paravam de vez, coisa que não desejava.

Na manhã seguinte a este aviso, despedira-se dela com um beijo na boca e a promessa solene de encontrar a velha mulher e, agora que chegara a Lisboa pela quarta vez, estava certo de que seria bem sucedido, sobretudo depois de ouvir o comentário de uma jovem soldadeira.

Pergunta adiada, tarde estragada...

Mem, conhecera-a na sua ida inicial à cidade onde o Tejo desaguava. Era uma rapariga muito magra e não especialmente bonita que vendia o corpo numa ruela de Alfama, mas que saía a perder com muitas das outras soldadeiras que lhe faziam concorrência.

Porto marítimo que ligava os mares africanos e mediterrânicos aos do Norte, por Lisboa passava toda a espécie de gente, oriunda das mais diversas proveniências, o que dava um colorido único à povoação.

Pelas ruas daquela Almedina, tanto se podiam ver berberes ou normandos, como escravos loiros ou negros, adoradores de Maomé ou de Cristo. Embora existissem mesquitas, igrejas e até uma sinagoga, com o seu imã, bispo ou rabi, a presença religiosa era como um eco distante e poucos na cidade ligava ao seu Deus, limitando-se a despachar as rezas e a seguir os imperativos das tentações.

Em Lisboa, abundavam os pecadores. As lojas dos artífices, as feiras da lavoura, o porto, enchiam-se de indivíduos que, mal feito o negócio público, corriam a saborear o seu vício privado.

Almocreves e artífices, criadas e padeiras, soldadeiras e falsos jograis, até esposas e esposos de alguma nobreza, aceitavam em plena rua os pedidos dos mais apressados.

Eufóricos, abraçavam-se com matronas mal dobravam uma esquina, beijavam mineiros de Adriça ainda na soleira das suas portas, ou amigavam-se a escravos nos logradouros das traseiras das casas, sem pudor ou pausa.


A cidade parecia possuída pela ânsia de fornicar. Para Mem, um sedutor habituado à conversa serena, ao galanteio e ao mimo doce, aquela velocidade de acasalamento soava demasiado agressiva, pois para ele, qualquer encontro a dois, por mais fugaz que fosse, tinha necessidade de respeitar um ritual próprio, onde era essencial existir um mínimo de encanto mútuo.

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