(Domingos Amaral)
Episódio Nº 103
Sobre o que se passou na
masmorra durante o nosso ataque a Tui ninguém pode ter absolutas certezas. Os
seres humanos são entidades misteriosas e complexas, cujos sentimentos e
interesses se alteram consoante as circunstâncias.
Nunca sabemos se é
verdadeiro o que dizem pois verdades e mentiras são também necessidades do
momento. Só Deus sabe e vê tudo e faz o seu juízo final.
É preciso relembrar que
Gonçalo e Chamoa não eram muito próximos. Tinham-se conhecido em Viseu, oito
anos antes, mas até àquele haviam-se visto poucas vezes, embora um círculo de
afectos os unisse.
Gonçalo adorava Zaida,
grande amiga de Chamoa, que amava Afonso Henriques, grande amigo de Gonçalo. No
centro dessas conhecidas emoções, existiam as zonas cinzentas.
Gonçalo roía a um certo
ressentimento, pois temia que Afonso Henriques o tivesse enviado para Celmes
para o afastar da bela moura. E Chamoa, que receava todas as mulheres, receava
também que Zaida lhe roubasse o príncipe de Portugal.
É pois, possível admitir um
caldo de medos mútuo onde ferveu uma aproximação imposta pelas circunstâncias
externas em que ambos se encontravam.
Tanto Gonçalo como Chamoa
desejavam ardentemente a vitória de Afonso Henriques em Tui mas a perentória
condenação do Trava colocou-os à beira de um terrível abismo: quanto mais perto
estivessem da liberdade, mais perto estavam da morte.
Diz-se que as pessoas quando
confrontadas com a possibilidade real de morrerem, têm uma certa tendência para
o descontrolo. O seu coração enche-se de angústia e o seu espírito desespera
admitindo o que pouco tempo antes era impensável.
Teria sido isso que se teria
passado entre Chamoa e Gonçalo naquele frio buraco? – Ninguém poderá nunca ter
a certeza, pois as versões de ambos divergem.
Tempos depois, Chamoa
garantiu que se limitaram a escutar os rumores da batalha. A meio da tarde
perceberam que portucalenses já retiravam, o que os deixou desiludidos por não
serem libertados, mas ao mesmo tempo aliviados, pois não iam morrer.
Quanto a Gonçalo, certo dia
gabou-se a Zaida, jurando que Chamoa se montara nele. Pelos vistos, a princesa
moura acreditou. Lembro-me de que quando falamos sobre esse assunto, Zaida me
perguntou:
- Lourenço Viegas, se os dois estivéssemos
numa masmorra, condenados à morte e depois de virar um jarro de vinho tinto da
Galiza, não me teríeis possuído?
Tremi de excitação só de
pensar na possibilidade... Seja como for o mais importante passou-se a seguir.
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