domingo, outubro 23, 2016

Hoje é Domingo

(Na minha cidade de Santarém em 23/10/16)

















Quim andava toda a semana na rua com um horário que começava com o nascer do sol e caía com o dia.

Quim era um pobre diabo que tinha um atestado médico que certificava que ele era mesmo um pobre diabo. Andava com um saco de plástico na mão direita e com o atestado na esquerda.

É que Quim queria ir para um manicómio em Lisboa mas não tinha dinheiro para a passagem. Por isso andava nas suas calças e casaco de ano e meio no meio daquele mês de Maio à beira dos acontecimentos, à saída dos cafés, das igrejas, das fábricas a reunir a “massa”.

Naquele dia, Quim estava à porta do café exibindo o atestado em que atestava que ele era um pobre diabo. A gente passava aos magotes. Eram mulheres de preto, os jovens coloridos, as senhoras de peles, os velhos decrépitos, as mamãs recentes, os rapazes de gravata.

Quim mostrava o atestado deambulando pela multidão, murmurando, de vez em quando, algumas parcas palavras. As pessoas olhavam para ele e depois de um exame breve achavam a cena ridícula.

Atestado numa mão, saco de plástico na outra, isso era pobre que se apresentasse? E se apressavam a continuar a conversa.

O sol estava bonito. Era uma fria manhã de Novembro. Nas frias pedras do passeio os pés dos transeuntes batiam com força para afastar o frio. Quando Quim se aproximava os pés batiam com muito mais força.

Os olhos gastos do Quim já não choravam. Queria ir para um manicómio em Lisboa e não o deixavam ir.

Sem dinheiro, sem nada, Quim meteu-se a caminho da estação. O comboio demorou a chegar. Quim não quis deixar escapar a oportunidade. Saltou para o meio da linha e apresentou o atestado na mão esquerda e o saco de plástico na direita.

O comboio não quis saber. Com tinir de aço afastou Quim do caminho de Lisboa.

... Quem escreveu esta história foi um rapazinho que tinha, então, 17 anos de idade. Recentemente, foi Secretário de Estado da Cultura.

Site Meter