Richard Dawkins |
As Raízes da
Religião
Toda a gente tem a
sua teoria de estimação sobre a origem da religião, a razão pela qual todas as
culturas humanas têm uma. Uns, dizem que reconforta e consola, outros, que
promove a união dos grupos, satisfaz a nossa ânsia de percebermos porque
existimos, etc…
Sabemos hoje que
somos o produto de um processo de evolução darwiniana, tal como todos os seres
vivos. Os belíssimos documentários que são trazidos até nós pelos programas dos
canais da Odisseia e da National Geografic sobre a origem do Homem, não nos
deixam dúvidas sobre a dificuldade desse processo. Várias “tentativas” que não
sabiam que eram “tentativas” e todas abortaram ao longo de alguns milhões de
anos.
Finalmente, ficámos
nós, só nós, todos os outros desapareceram, não vingaram, como se costuma
dizer. Conhece-se alguma coisa desse processo - que continua e continuará -
o suficiente para podemos dizer que ele foi muito difícil. Uma vez, pelo
menos, a quando da explosão do vulcão Toba, há 75.000, na Indonésia,
estivemos à beira do "abismo" reduzidos ao número mínimo de elementos
capaz de sobreviver.
Por isso, é legítimo
perguntar que pressão ou pressões foram exercidas pela selecção natural que
tenham favorecido, na sua origem, o impulso para a religião, tanto mais quanto
é verdade que a religião é esbanjadora e extravagante. Os rituais religiosos
têm custos em tempo, recursos, dor e privação.
A religião pode
por em perigo a vida do indivíduo mais devoto tal como a dos outros. Milhares
de pessoas foram torturadas por lealdade a uma religião, perseguidas por
fundamentalistas apenas, muitas vezes, por pertencerem a uma fé alternativa que
pouco tinha de diferente. Veja-se o caso dos sunitas e xiitas e entre católicos
e protestantes.
Por outro lado, a religião
devora recursos, por vezes numa escala maciça. Uma Catedral medieval podia
levar séculos de trabalho humano a ser construída e, no entanto, nunca era
usada como residência ou com algum outro fim que fosse útil.
A música sacra e a
pintura devota monopolizaram em grande parte o talento da época medieval e do
Renascimento. Gente devota morreu pelos seus deuses e por eles matou. Outros
auto-flagelaram-se até as costas verterem sangue, juraram uma vida de celibato
ou de silêncio em clausura, tudo ao serviço da religião.
Para quê tudo isto?
Qual o benefício da religião?
A nossa espécie por
muito inteligente que possa ser, é, no entanto, dotada de uma inteligência
«perversa» porque assimila conhecimentos sobre o mundo natural e de como
sobreviver nele mas depois, em simultâneo, atulham as suas mentes com crenças
manifestamente falsas.
Embora os pormenores
variem de região para região, não se conhece nenhuma cultura no mundo que não
tenha a sua versão da religião, com os seus rituais pródigos em esbanjar tempo,
em consumir riquezas e em gerar hostilidades.
Há pessoas instruídas
que abandonaram a religião, mas todas foram criadas numa cultura religiosa, que
normalmente deixaram para trás através de uma decisão consciente. Lembremos a
velha piada irlandesa que pergunta: «sim, és ateu, mas ateu protestante ou ateu
católico?»
Do ponto de vista
darwiniano não há nenhuma dificuldade em explicar o comportamento sexual.
Trata-se de fazer filhos mesmo nas situações em que a contracepção ou a
homossexualidade o parecem contrariar.
Mas, e o
comportamento religioso? Porque jejuam os humanos, porque se ajoelham,
auto-flagelam, acenam freneticamente com a cabeça em frente de um muro, porque
fazem cruzadas?
Se a religião é então
subproduto de outra coisa, o que é essa outra coisa?
Qual é o equi valente ao hábito da traça de navegar tendo como
referência bússolas de luz celeste?
Qual é a
característica primitiva vantajosa que por vezes falha o alvo dando origem à
religião?
Avançarei aqui uma sugestão a título exemplificativo, mas
devo realçar que é apenas um exemplo do tipo de coisa a que me refiro, e
apontarei sugestões paralelas avançadas por outros.
Mais importante do
que avançar uma resposta é a necessidade de colocar correctamente a pergunta.
A minha hipótese
concreta centra-se nas crianças. Mais do que qualquer outra espécie, nós
sobrevivemos através da experiência acumulada pelas gerações anteriores, e essa
experiência precisa de ser transmitida às crianças, para sua protecção e
bem-estar.
Na teoria, as
crianças poderão aprender através da experiência pessoal, a não se aproximarem
de um penhasco, a não comerem bagas vermelhas desconhecidas, a não nadarem em
águas infestadas de crocodilos.
Sem dúvida que sim, mas aquelas crianças cujo
cérebro contiver a seguinte regra prática: acredita sem hesitações em tudo o
que os adultos te disserem. Obedece aos teus pais, obedece aos chefes da tribo,
sobretudo quando falarem para ti numa voz grave e ameaçadora. Confia nos mais
velhos sem contestares.
Essas crianças dotadas com um cérebro “formatizado” com
essas regras, terão uma vantagem de sobrevivência relativamente às outras mas,
tal como no caso das traças, pode dar mau resultado…
Nunca esqueci um
sermão terrível que ouvi na capela da minha escola, quando era pequeno.
Terrível, visto de agora, porque, na altura, o meu cérebro de criança aceitou-o
dentro do espírito pretendido pelo pregador.
Ele contou-nos, então, a história
de um pelotão de soldados que treinava junto da linha do Caminho-de-Ferro e,
num momento crítico, o sargento encarregado do treino distraiu-se e não deu a
voz de “alto”. Os soldados, de tão bem treinados a obedecer às ordens sem as
contestar, continuaram a marcha de encontro ao comboio que se aproximava.
O pregador contava
esta história para que nós admirássemos e imitássemos a obediência servil e
incondicional dos soldados a uma ordem, por muito absurda que ela fosse, vinda
de uma figura de autoridade.
Este sermão da minha
infância marcou-me profundamente e por isso eu conto-o aqui porque
o «eu» da minha infância não sabe se teria coragem de marchar contra o comboio
e cumprir assim o seu dever. Mas talvez esta mensagem fosse mais de cariz
militar, ao estilo da «Carga da Brigada Ligeira» do que religiosa.
Consultando a
história, as nações cujos soldados de infantaria seguem as ordens que recebem
ganham mais guerras do que aquelas cujos soldados agem por sua livre
iniciativa.
Do ponto de vista das
nações, esta continua a ser uma boa regra básica ainda que por vezes conduza a
catástrofes pessoais. Os soldados são treinados para se tornarem o mais
parecidos como autómatos ou computadores.
Os computadores fazem
o que lhes mandam. Obedecem cegamente a quaisquer instruções que lhe sejam transmitidas
pela linguagem da programação. É assim que desempenham coisas úteis, como
processamento de texto e folhas de cálculo.
Mas também há um
subproduto inevitável, e que é o facto de terem um comportamento igualmente
robótico quando se trata de obedecer a instruções erradas. Não têm forma de
saber se uma dada instrução vai produzir um bom ou um mau resultado. Limitam-se
a obedecer, tal como se espera de um soldado.
É a sua obediência
incondicional que torna os computadores úteis e é precisamente isso também que
os torna inescapavelmente vulneráveis a infecções de vírus e vermes de
software.
Um programa concebido
com intenção maldosa que diga: «copia-me e envia-me a todos os endereços que
encontrares neste disco rígido», vai limitar-se a ser obedecido e a voltar e a
voltar a sê-lo vezes sucessivas por todos os outros computadores para onde for
enviado, num crescimento exponencial.
É difícil, senão
impossível, conceber um computador que seja obediente de uma forma útil e ao
mesmo tempo imune às infecções.
Depois deste trabalho
de sapa já os meus amigos leitores terão completado o meu raciocínio acerca do
cérebro das crianças e da religião.
A selecção natural
constrói o cérebro das crianças de maneira a neles incutir uma tendência para
acreditarem naqui lo que os pais e os
chefes da tribo lhes dizem. Essa obediência confiante, análoga à orientação da
traça pela Lua é valiosa para a sobrevivência, mas o reverso da obediência cega
é a credulidade servil.
O subproduto
inevitável é a vulnerabilidade à infecção pelo vírus da mente. Por excelentes
razões relacionadas com a sobrevivência darwiniana, os cérebros das crianças
precisam de acreditar nos pais e nos mais velhos em quem os pais lhes dizem que
o façam.
Uma consequência
automática reside no facto de aquele que confia não ter forma de distinguir os
bons dos maus conselhos.
A criança não tem
forma de saber que «não te metas no rio Limpopo, que está infestado de
crocodilos» é um bom conselho e que «tens de sacrificar uma cabra durante a lua
cheia , senão não a chuva não vem» é, no mínimo, um desperdício de tempo e de
cabras.
Ambos os avisos
parecem igualmente dignos de confiança, ambos provêm de uma fonte respeitável e
são proferidos num tom de grave seriedade que inspira respeito e
obediência.
Richard
Dawkins
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