terça-feira, novembro 29, 2016

Será Deus

um Consolo?


(Richard Dawkins)


















Inspiração


Esta é uma questão de gosto ou de opinião pessoal, o que tem a implicação algo infeliz de que a argumentação a que tenho de recorrer, neste caso, é retórica e não lógica.

No livro «Decompondo o Arco-Iris», tentei transmitir a ideia da sorte que temos por estarmos vivos, atendendo a que a imensa maioria das pessoas que potencialmente podiam vir a ser geradas pela lotaria combinatória do ADN nunca chegarão, efectivamente, a nascer.

Para os que têm a sorte de "estar aqui" procurei visualizar a relativa brevidade da vida imaginando um foco de luz fino como um lazer, deslizando ao longo de uma gigantesca escala temporal.

Tudo quanto está para trás ou para a frente do foco encontra-se envolto na escuridão do passado já morto ou na escuridão do futuro ainda desconhecido.

Temos uma sorte fabulosa por nos encontrarmos sob o foco. Por muito breve que seja o tempo que nos cabe ao sol, se desperdiçarmos um segundo que seja ou se nos queixarmos que ele é monótono, estéril ou enfadonho, não será isso uma insultuosa demonstração de insensibilidade para com os muitos milhões a quem nunca sequer será proporcionado viver?

Como muitos ateus já disseram, e melhor do que eu, o sabermos que só temos uma vida devia torná-la ainda mais preciosa. A atitude ateia é, por isso mesmo, uma atitude de afirmação e de promoção da vida ao mesmo tempo que não se deixa macular pela auto-ilusão, não toma os desejos por realidades, nem padece de auto comiseração birrenta própria daqueles que acham que a vida lhes deve alguma coisa.

Emily Dickinson, poetisa americana, disse:

Por não voltar jamais
É que é tão doce a vida

Se o desaparecimento de Deus deixar uma lacuna, as pessoas irão, cada uma, preenchê-la à sua maneira. A minha maneira específica passa por uma boa dose de ciência e por uma tentativa sincera e sistemática de descobrir a verdade acerca do mundo real.

Cada um de nós constrói, dentro da sua cabeça, um modelo do mundo em que se encontra. O modelo mínimo do mundo é o modelo de que os nossos antepassados precisaram para nele sobreviver.

O software de simulação foi construído e depurado pela selecção natural e é especialmente adequado ao mundo que era familiar aos nossos antepassados da savana africana: um mundo de três dimensões de objectos materiais de média dimensão, que se moviam a velocidades médias relativamente uns aos outros.

Numa espécie de bónus inesperado, verifica-se, afinal, que os nossos cérebros são suficientemente poderosos para dar resposta a um modelo do mundo muito mais rico do que o modelo medíocre e utilitário de que os nossos antepassados necessitaram para sobreviver.

A arte e a ciência são manifestações descontroladas, no bom sentido, desse bónus.


A SANTÍSSIMA TRINDADE



A outra coisa que eu não consigo deixar de comentar é a confiança sobranceira com que as pessoas religiosas afirmam ínfimos pormenores acerca dos quais não têm nem poderiam ter a mínima prova.

Talvez seja precisamente o facto de não existir prova que corrobore ou negue opiniões teológicas o que instiga a típica hostilidade draconiana relativamente aos que têm opinião ligeiramente diferente.

Mas é sobretudo o ramo católico romano do Cristianismo que leva ao extremo o seu recorrente namoro com o politeísmo.

À Santíssima Trindade junta-se Maria, “Rainha dos Céus”, deusa em tudo menos no nome, e seguramente logo atrás do próprio Deus enquanto destinatária de orações.

O panteão é ainda engrossado por um exército de santos cujo poder de intervenção os torna, se não semi-deuses, pelo menos de serem abordados dentro da área de intervenção de cada um.

O Fórum da Comunidade Católica oferece solicitamente uma lista de 5.120 santos com as respectivas áreas de competência, que incluem dores de barriga, vítimas de maus tratos, anorexia, traficantes de armas, ferreiros, ossos partidos, técnicos de bombas e desarranjos intestinais, e isto para nos ficarmos só pela letra B.

Alem disso, não nos podemos esquecer dos quatro coros das hostes de anjos distribuídos por nove ordens: serafins, querubins, tronos, dominações, virtudes, potestades arcanjos (que são os comandantes e os nossos já velhos conhecidos anjos com destaque para o conhecido e sempre vigilante anjo-da-guarda.

O que impressiona mais na mitologia católica é a ligeireza inconsequente com que estas pessoas vão congeminando pormenores, tudo fruto da mais descarada invenção.

E não se pense que isto são coisas dos tempos antigos da Igreja Católica: o Papa João Paulo II (1920 – 2005) criou mais santos do que os seus antecessores todos juntos no decorrer dos últimos séculos.

Os seus devaneios politeístas ficaram bem marcados quando, em 1981, foi vítima de uma tentativa de assassínio em Roma tendo atribuído a Nossa Senhora de Fátima a circunstância de ter sobrevivido: «Uma mão materna guiou a bala».

Dá vontade de perguntar porque não guiou ela a bala de forma a nem sequer o atingir? E a equipe de cirurgiões que o operou durante seis horas não teve nenhum mérito? -  Ou as suas mãos também foram guiadas maternalmente pela Senhora de Fátima?

O Papa referiu-se concretamente a Nossa Senhora de Fátima e não a uma outra Nossa Senhora. Talvez na altura, a Nossa Senhora de Lurdes, ou de Guadalupe ou de Medjugorje, ou de Akita, ou de Zeitun, ou de Garabandal, ou de Knock, estivessem ocupadas com outras incumbências.
                                   


DIVINA TRINDADE



Como é que gregos, romanos e vikings lidavam com estes enigmas politeológicos? Seria Vénus apenas mais um nome para Afrodite, ou seriam elas duas deusas do amor distintas?

Seriam Thor e o seu martelo uma manifestação de Wotan, ou um deus distinto? O que importa isso? A vida é demasiado curta para nos importarmos com distinções entre diferentes ficções da nossa imaginação.

Uma vez abordado o politeísmo, que mencionei para me precaver de eventuais acusações de omissão, não vou falar mais no assunto.

Para ser mais breve, referir-me-ei a todas as divindades, sejam elas politeístas ou monoteístas, simplesmente como «Deus».

Eu censuro o sobrenaturalismo em todas as suas formas, e o modo mais eficaz de prosseguir será concentrando-me na forma que muito provavelmente é a mais familiar para o meu leitor – aquela que invade ameaçadoramente todas as nossas sociedades.

A maioria dos meus leitores terá sido educada numa das três “grandes” religiões monoteístas dos nossos dias, todas elas com origem no mitológico patriarca Abraão pelo que é conveniente nunca esquecer esta afinidade de tradições.

Alguma crítica dirá: - “O Deus em que Richard Dawkins não acredita é um Deus em que também eu não acredito: um velho de barbas brancas que está no céu.”

Esta é uma ideia de diversão para desviar atenções. 

Sei que o leitor não acredita num velho barbudo sentado numa nuvem, pelo que não percamos tempo com isso.

Não vou atacar nenhuma versão concreta de Deus ou de deuses. Vou atacar Deus, todos os deuses, tudo o que seja sobrenatural, onde e sempre que tenha sido ou venha a ser inventado.

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