domingo, novembro 19, 2017

Se Deus tivesse falado...














As palavras são de Baruch Espinoza -nascido em 1632 em Amsterdão, falecido em Haia em 21 de Fevereiro de 1677, foi um dos grandes racionalistas do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz.

Era de família judaica portuguesa e é considerado o fundador do criticismo bíblico moderno. Acredite, essas palavras foram ditas em pleno Século XVII. Continuam verdadeiras e actuais até a data de hoje.

 


Se Deus Tivesse Falado

- Pára de ficar rezando e batendo no peito!
 - O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida.

- Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.

- Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
 - Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.

 - Pára de me culpar da tua vida miserável:

- Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que a tua sexualidade fosse algo mau.
- O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria.
- Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.

 - Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo.

 - Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho… - Então não me encontrarás em nenhum livro!
- Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
- Pára de ter tanto medo de mim.
- Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo.
- Eu sou puro amor.

 - Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar.
- Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres,  de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre - arbítrio.
- Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti?
- Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez?
- Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade?
- Que tipo de Deus pode fazer isso?

- Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; 
essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só 
 
geram culpa em ti. Respeita teu próximo e não lhe faças o que não queiras para ti.
- A única coisa que te peço é que prestes atenção à tua vida, 
que teu estado de alerta seja teu guia.

Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é a única que há aqui e agora, a única que precisas.
- Eu te fiz absolutamente livre.

- Não há prémios nem castigos.

- Não há pecados nem virtudes.

- Ninguém leva um placar.

- Ninguém leva um registo.

 - Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.

- Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho:
- Vive como se não o houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.

- Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.

- E se houver, tem a certeza que Eu não vou te perguntar se foste bem comportado ou não.

- Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste...

-  Do que mais gostaste? O que aprendeste?

- Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar.

- Eu não quero que acredites em mim.

- Quero que me sintas em ti.

- Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas um banho no mar.

 - Pára de louvar-me!

-  Que tipo de Deus idólatra tu acreditas que Eu seja?

- Me aborrece que me louvem.

- Me cansa que agradeçam.

- Tu te sentes grato?

- Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.
- Te sentes olhado, surpreendido?...

-  Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.

- Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te 
ensinaram sobre mim.
- A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas.

 - Para que precisas de mais milagres?

- Para quê tantas explicações?

- Não me procures fora!

-  Não me acharás.

- Procura-me dentro... aí é que estou, batendo em ti.


Nota:
Acima de tudo, esta é uma mensagem de amor, de um profundo humanismo, e constitui uma honra para nós que ela tenha sido escrita por alguém que fez parte de uma família portuguesa, provavelmente expulsa de Portugal por reis que governavam a pensar apenas no interesse das suas famílias, com profundo desprezo pelo povo e apoiados por um clero próximo da demência e da criminalidade com a sua Inquisição.
Faltou apenas que estas palavras não tivessem sido escarrapachadas nas portas de todas as casas de culto por esse mundo fora.
De quando em vez, alguém, verdadeiramente iluminado pela inteligência, a coragem e o amor, consegue chegar até nós para nos “limpar” das baboseiras que nos pregam.
Infelizmente, a tendência da natureza humana para a crença continua a ser explorada como grande negócio que é mas, se Espinosa nos pudesse visitar agora, veria que já fizemos grandes progressos.
A esta distância a sua voz não se perdeu no deserto e foram caindo cada vez mais fundas e pesadas nas nossas consciências. As máquinas da repressão estão hoje muito mais emperradas do que o eram no tempo em que ele viveu.
O advento da liberdade e dos direitos humanos das sociedades actuais, o avanço da tecnologia e da ciência com a velocidade e facilidade com que as ideias hoje circulam, têm permitido substituir a crença pela compreensão, a oração pelo pensamento. 

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