quarta-feira, fevereiro 24, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos do Amaral)

Episódio Nº 198




















O fedayn semicerrou os olhos, irritado,  com tantas mentiras.

- Quem as ajudou a fugir de Coimbra? Havia um homem com elas.

A bruxa não voltara a ver Mem, mas gostara dele, era fácil gostar daquele almocreve meigo e corajoso, e por isso nunca iria denunciá-lo ao monstro que lhe matara o pai.

O fedayn suspirou: era evidente que ela não iria falar, a não ser que a torturasse, mas mesmo assim era pouco provável. Aquela mulher velha e doente não devia temer a morte.

Olhou para o teto da caverna e viu pequenas sombras nas cavidades das rochas.

São os vossos morcegos? Dizem que atacam às vossas ordens.

A bruxa semicerrou os olhos e avisou-o:

 - O inferno vai cair sobre vós. Vai haver uma guerra entre os cristãos, no Norte Portucalense. Um novo rei vai nascer, e depois ele virá para Sul e vai matar-vos.

O fedayn soltou uma gargalhada de desprezo e perguntou:

 - É por isso que vos chamam a guardiã das Portas do Inferno?

A mulher mais uma vez não respondeu, e o fedayn insistiu:

 - Também dizem que os cristãos procuram uma relíquia escondida, e que só vós sabeis onde ela está. Afirma-se que, se a encontrarem, vencem a guerra contra os almorávidas.

Desta vez a bruxa riu-se com um certo gozo.

O povo acha que as bruxas sabem tudo. Escondo uma reliqui, protejo as mouras, mando em morcegos.

A Morte com Duas Pernas já tomara a sua decisão. Era óbvio que a mulher nada mais ia dizer, e por isso não havia qualquer razão para a manter viva.

Levantou-se mas nesse momento ouviram-se uns guinchos, e muitos dos morcegos que estavam pousados esvoaçaram pela gruta e depois enfiaram-se pelos túneis, e saíram dali.

A mulher murmurou:

 - Inventam cada coisa sobre as bruxas...

O fedayn começou a juntar panos, esteiras e sacos, fazendo uma pilha. Ao remexer numa sacola encontrou as bolas de fogo e atirou uma ao chão o que fez surgir uma enorme labareda.

O fogo dos infernos, exclamou divertido.

Depois levantou a bruxa do chão, atou-lhe as mãos e os pés para a imobilizar totalmente, e pousou-a em cima da pilha que amontoara. A seguir, foi até à fogueira, pegou em dois troncos e lançou-os para a pilha.

Pouco depois, fios de fumo e pequenas labaredas começaram a ver-se. A bruxa não se conseguiu mexer e era impossível rodar para qualquer um dos lados, pois o fedayn não a deixava, dando-lhe pontapés enquanto gritava:

- Morre guardiã das Portas do Inferno, morre no próprio fogo!

Deu um salto para trás e, com um gesto brusco, atirou uma primeira bola, que explodiu numa grande labareda. Instantes depois lançou uma segunda, rindo-se quando uma nova língua de fogo se ergueu.


As chamas já chegavam à bruxa, começando a queimá-la mas quando o fedayn esperava os seus primeiros berros de sofrimento, ouviu-se um grito nas suas costas. Virou-se e viu um velho de barbas, enrolado num manto branco.

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