Costumes transtemporais: juventudes por viver
Há dias, na televisão, uma jovem, entrevistada na rua sobre o magno problema do conflito de gerações queixava-se, a título de exemplo, que a mãe não a deixava sair à noite sem primeiro fazer a cama do seu quarto. Fiquei perplexo e só não ouvi outra vez para me certificar do que tinha ouvido porque não estava a gravar.
Eu sei que os jovens da minha geração, hoje avós desta jovem, eram autênticos meninos de coro quando comparados com os jovens deste tempo e sei que isso não foi bom para nós, os da minha geração. A autoridade e o respeito, pelo exagero de que se revestiam, constituíam-se, então, autenticas barreiras no conhecimento recíproco entre pais e filhos, e o amor que existia entre ambos, vivia envergonhado, temeroso, coarctado por normas de educação que impunham distância que levava a que, muitas vezes, simples manifestações de carinho, eram chamadas de pieguices.
Era também, um pouco, o reflexo da cultura do medo que se vivia na sociedade portuguesa e que era alimentada pelo regime de então que via com bons olhos os jovens crescerem medrosos e respeitadores da autoridade que tinha que começar em casa, com os pais, com os professores na escola, o polícia na rua e, finalmente, e, mais importante, com os governantes e o poder instituído - fosse ele qual fosse, estivesse ele onde estivesse: na Junta de Freguesia, na Câmara Municipal, atrás de um balcão na Repartição de Finanças e, muito mais, em um qualquer Tribunal, porque aí julgavam-se os delitos e condenavam-se as pessoas.
A juntar ao medo e ao respeito por tudo quanto fosse autoridade tínhamos, depois, os bons costumes dos quais, os jovens, eram as vítimas predilectas, porque mais fracas e indefesas, incapazes de utilizar os múltiplos esquemas que os adultos, especialmente os bem instalados na vida, utilizavam para se furtarem ao seu cumprimento sem que isso representasse grave problema de consciência. No máximo, matéria para a confissão sem lugar a grandes penitências porque, como todos sabem e os clérigos especialmente, a carne é fraca. Eça de Queiróz ensinou-nos muito a este propósito, e O Crime do Pre. Amaro foi um exemplo que perdurou no tempo... A carne é fraca, como referi...
Afectadas e muito ficaram as relações entre os rapazes e as raparigas de então, impedidos de se poderem relacionar normalmente por exigência dos costumes e da moral vigentes que serviam para proibir e condenar tudo e mais alguma coisa. A tal ponto que, para se poder estar com a rapariga de quem se gostava, tinha que se casar com ela; para se estar com as “outras” - era muito mais fácil porque o Estado tinha providenciado umas casas onde estavam umas mulheres das quais ele, o Estado, cuidava do ponto de vista da transmissão de certas doenças. E também aqui já aprendemos e/ou recordámos algumas coisas com a peças (de alguns clássicos) levadas à TV pelo nosso amigo - e agora edil de Santarém, Moita Flores.
E isto, a propósito do conflito de gerações e das declarações da jovem entrevistada que “sofria na carne” as consequências desse conflito porque a mãe a queria obrigar a fazer a cama antes de sair para a noite conviver, em toda a liberdade, com os jovens da sua idade…
A esta jovem gostava eu de dizer, eu e os jovens da minha geração, hoje seus avós, que conflito, conflito, propriamente dito temos nós, não de gerações, mas com as nossas memórias, as memórias da nossa juventude que ficou por viver porque não tivemos uma mãe que se limitasse a pedir-nos para irmos fazer a cama antes de sairmos à noite conviver com a nossa namorada e com os nossos amigos.
E, já agora…, cumprimentos à sua mãe… e vá lá fazer a caminha e não pense mais nos conflitos de gerações ou, como se diz lá fora (cádentro) generation gap.
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