segunda-feira, novembro 19, 2007

PORTUGAL


PORTUGAL

Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse oitocentos

Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de África só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais e nunca mais voltasse?

Quase chego a pensar que é tudo mentira, que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente.

Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional (que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póquer com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electrochoques e está a recuperar, à parte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de rosas

Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do Império, mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem conseguir encontrar uma pétala que fosse das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador

Portugal
Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir

Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentúgal e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade

Portugal
Estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete,
Salazar estava no poder, nada de ressentimentos
O meu irmão esteve na guerra, tenho amigos que emigraram, nada de ressentimentos
Um dia bebi vinagre, nada de ressentimentos

Portugal
Depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas a nado na piscina municipal de Braga ia agora propor-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou

Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe

Portugal
Gostava de te beijar muito apaixonadamente na boca


Jorge Sousa de Braga



Nota:
E como não há Portugal sem portugueses e eu faço parte desse colectivo de oitocentos anos, agradeço ao Jorge Sousa esta linda carta de amor e ao Nicolau Santos que transcrevendo-a no Expresso permitiu que ela chegasse ao meu conhecimento.





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