segunda-feira, dezembro 17, 2007

O Referendo e o Tratado de Lisboa


O Referendo e o Tratado de Lisboa


Não tenho nenhuma predilecção pelo estatuto do Referendo porque não vejo, no nosso país, nenhuma situação em que o recurso aos órgãos democraticamente eleitos não seja mais vantajosa do que a consulta directa à população.

A democracia parlamentar tem, naturalmente, os seus defeitos e as suas limitações mas no Parlamento estão lá os representantes dos partidos que nós elegemos para executarem uma política que foi apresentada aos cidadãos nos programas eleitorais e que se espera, com base na confiança e crédito que essas pessoas nos merecem, venha a ser executada.

Se uma vez eleitos, cumprem ou não os programas com que se elegeram, se revelam, pela sua acção, serem ou não merecedores do tal crédito e confiança que neles se depositou, já faz parte da avaliação que os eleitores vão fazendo ao longo do mandato e que termina, nas eleições seguintes, com a renovação do voto de confiança ou a sua retirada.

Tão simples como isto sem esquecer que, em última análise, a qualidade da democracia depende da qualidade dos políticos que elegemos ou, mais rigorosamente, da qualidade das pessoas que se disponibilizam para a política.

E este é o problema básico da nossa democracia. Saber até que ponto os cidadãos mais aptos, competentes e honestos da nossa comunidade se apresentam a sufrágio para o exercício das funções da governação.

Parece que a carreira política já não desperta hoje o interesse condizente com o prestígio e a honra inerentes aos cargos públicos da governação sendo que, alguns dos melhores de nós, se estão a “vender” ao sector privado cada vez mais poderoso e com propostas mais aliciantes.

Luís Campos e Cunha, ex-Ministro das Finanças e Catedrático dos mais prestigiados do nosso meio académico, afirmava há dias numa entrevista que “não gostaria que as pessoas fossem para a política pelo salário ser elevado” mas logo adiantava que “há muita gente que não pode aceitar lugares públicos porque, na prática, tem de pagar para lá estar”concluindo que esta situação está a afectar muito a qualidade da nossa democracia.

Sem dúvida, portanto, que há necessidade de tomar medidas para melhorar a qualidade da nossa democracia e já foram feitas sugestões nesse sentido que caíram perfeitamente em saco roto…e é pena porque esta questão é crucial para o futuro do país e nós não nos podemos dar ao luxo de ter maus políticos apenas porque são baratos.

Em contrapartida, não me parece serem os Referendos a forma de melhorar a democracia.

A consulta directa às populações como forma de tomar decisões em sociedades tão complexas como aquelas em que hoje vivemos é demagógica, populista e fica à mercê da capacidade de manipulação dos especialistas na matéria sendo, portanto, potencialente perigosa para os interesses do país.

Ele encontra os seus principais defensores entre os líderes de pequenos partidos de oposição e de grupos contestatários que vêm neles uma excelente oportunidade para atacarem os governos.

Os comentaristas, analistas e todos os “fazedores de opinião” saem a terreno, convidados ou fazendo-se convidar para debates, reuniões, participação em programas de Rádio e Televisão para que não se diga que a informação e o esclarecimento não são produzidos, como compete, numa sociedade democrática.
Como mal menor perde-se tempo e gasta-se dinheiro.

Todos nos lembramos do último Referendo sobre o aborto, do tempo que se gastou, das intermináveis e inconclusivas discussões para decidir sobre uma matéria que tinha a ver com a liberdade e dignidade das mulheres e a defesa da saúde pública.

Dizia-se que estávamos perante um problema de consciência e o governo de Sócrates para não ficar com problemas na dita, em vez de decidir com base na maioria absoluta que o eleitorado lhe atribuiu, envolveu-nos a todos naquela discussão estéril e ultrapassada.

Daquela vez, com a ajuda preciosa do Ricardo Araújo, dos Gatos Fedorentos e do seu skech ao Prof. Marcelo, lá se conseguiu dar às mulheres a liberdade de poderem decidir de acordo com a consciência de cada uma delas e não pela obrigatoriedade de cumprirem uma lei que fazia lembrar os tempos da inquisição.

Estamos, agora, de novo, confrontados com a eventualidade de mergulhar o país em mais um Referendo e em intermináveis e acaloradas discussões.

O Tratado em si, já todos percebemos, é pouco menos que inteligível o que não significa, ou até por causa disso, que não possa e deva ser explicado mas não a propósito de um Referendo.

É que os Referendos devem pressupor alternativas que sejam claras, do género:

- Se optarmos pelo Sim o caminho é este;
- Se optarmos pelo Não o caminho é aquele;

No caso concreto deste Referendo, como sugere o Prof. Luís Campos e Cunha, se votarmos Não ao Tratado vamo-nos transformar numa Suiça ou numa Noruega?

Sem alternativa, digam-me, por favor, para que serve este Referendo?

Se o governo optar pelo Referendo que explique bem aos cidadãos, por uma questão de seriedade, qual é a alternativa.

Caso contrário, ele tornar-se-á um logro e um fiasco pois, caso o Não vença, é o promotor do Referendo que terá que traçar um novo caminho, que é como quem diz, descalçar a bota.

Sócrates, em campanha eleitoral, prometeu referendar Tratado e ninguém pode afirmar que essa promessa não lhe tenha rendido votos mas, porque foi precipitada, populista e demagógica, os votos que eventualmente terá ganho com ela deveria perde-los todos nas próximas eleições.

Quando penso no Tratado de Lisboa, como de resto nos anteriores, num simples exercício de imaginação, vejo-os como os substitutos das guerras que ainda no século passado deflagraram na Europa para dirimirem os conflitos de interesses que lhes deram origem.

Em 14/18, a 1ª G.G. custou a vida a mais de 9.000 portugueses não contando os que regressaram gaseados, para além dos milhões de outros europeus que lá ficaram.

Em 39/45, a 2ª G.G., que começou quando eu nasci, na prática há meia dúzia de dias, dizimou 6 milhões de vidas, cidades destruídas e atrocidades que não pareciam sequer possíveis nos nossos dias, pelo menos nos meus e nos da minha geração.

Os mesmos que nessa altura decidiram fazer as guerras, sentam-se, agora, à volta de mesas e em vez de trocarem entre si balas, bombas e toda a espécie de projécteis, apresentam uns aos outros propostas, contra propostas, fazem exigências e cedências, estabelecem compromissos e discutem entre si, nos bastidores e às mesas das negociações, às vezes horas a fio, pela noite dentro, para tentarem chegar a um documento que seja aceitável por todos.

E está lá toda a gente, os portugueses, os espanhóis, os franceses, alemães, ingleses…só para o Tratado de Lisboa eram 27 a lutar pelos seus interesses no seio desta nova aventura política que se chama Comunidade Europeia.

Não levam espingardas, nem canhões mas levam a importância dos seus países ditada pela dimensão territorial, número de cidadãos que representam, pujança ou fragilidade das suas economias e na correlação de forças que se estabelece cada um faz o que de melhore sabe e pode.

Ao fim de anos, acabado o trabalho, chegados a um consenso final, juntaram-se todos para assinarem o documento que representou o fim “daquela guerra”… sem mortos, sem feridos, sem traumas… até ao próximo Tratado, que é como quem diz, até à “próxima guerra”.

Nada no futuro está garantido mas a paz tem que continuar a ser salvaguardada e a Europa tem que funcionar, com este Tratado, no futuro com outro, mas tem que funcionar para a sua própria sobrevivência e dos valores que representa no mundo no qual não se conhecem outros melhores.

Na linha da minha imaginação, recusar este Tratado, que foi o melhor que se conseguiu, significa chamar à pedra os soldados que lutaram por ele e mandá-los de novo para o campo de batalha para trazerem a vitória impossível.

Faz-me lembrar o Salazar a propósito da Índia…















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