domingo, fevereiro 08, 2009


Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 44




INTERREGNO ONDE O AUTOR, ESSE PILANTRA, EXPLICA A SUA POSIÇÃO OPORTUNISTA


Enquanto Ascânio Trindade se apaixona, enquanto Elisa e Leonora sonham uma com São Paulo outra com a paz do Agreste, aproveito para referir-me à notícia publicada nas colunas de A Tarde, lida pelo indignado comandante Dário.

Pobre Nordeste!, exclamou o bravo marujo ante a possibilidade da poluidora indústria estabelecer-se em nossas plagas onde já temos seca e latifúndio, o hábito da miséria, o gosto da fome e as famosas trevas do analfabetismo antes tão citadas hoje tão esquecidas: não se falando nelas talvez desapareçam na luz dos tempos novos. Jogar sobre tudo isso dióxido de titânio parece-lhe um exagero antipatriótico. Opinião dele, da qual, como se verá, há quem discorde, muitos e importantes personagens, alguns tão poderosos que me apresso a esclarecer minha posição: sou neutro. Contaram-me o caso quando aqui cheguei, eu o passo adiante sem opinar.

Assim, por exemplo, a empresa referida na notícia e no comentário do jornal pode ser a mesma que deu lugar a tanta discussão dividindo o povo em dois campos, mas pode não ser ela, e sim outra, pois nunca ficou completamente esclarecida a origem da sociedade nem a dos directores, dos patrões verdadeiros. Como sabemos o Dr. Mirko Stefano não passa de um testa de ferro a comandar relações públicas e privadas, assinando cheques, abrindo garrafas de uísque em rodas alegres, na gentil companhia de permissivas e agradáveis dondocas, acendendo esperança e ambições, amaciando, passando vaselina para permitir mais fácil penetração de ideias e interesses.

Saiu uma notícia no jornal, em sua divulgação não tenho a mínima responsabilidade, não transcrevo sequer o título registrado pela sociedade em causa, nem o dela nem de nenhuma outra. Se a fabricação de dióxido de titânio faz economizar divisas aos cofres da nação e cria mercado de trabalho para uns quinhentos chefes de família – quinhentos vezes cinco são duas mil e quinhentas pessoas vivendo da empresa – como acusar de falta de patriotismo quem em tal indústria coloca seu dinheiro e aqueles a apoiar suas pretensões?

Para provar-lhes o patriotismo e o desinteresse, argumentos não faltam, de todos os tipos e de todos os géneros, inclusive aquele a convencer o nosso ardente Leonel Vieira, plumitivo cuja integridade ideológica exigiu que o cheque viesse acompanhado de razões sólidas. A fábrica ajudará à formação do proletariado, classe que, amanhã, bandeiras reivindicativas em punho, exigirá a posse do poder. Um teórico do talento de Leonel Vieira não pode desprezar tal argumento. Como se vê, de todos os tipos e para todos os géneros. Sem dióxido de titânio não há progresso.

Não faltam igualmente razões aos que se opõem, pois na fumaça, nos gases expelidos, no dióxido de enxofre pairam a destruição e a morte. A presença de SO2 na atmosfera fabril é altamente danosa à saúde dos operários e dos habitantes que estão dentro do raio de diluição do gás, assim leu o comandante no comentário do jornal. Morte para a flora e para a fauna, morte para as águas e para as terras. Pequeno ou grande é o preço a pagar.

Não que eu fique indeciso: fico neutro, coisa muito diferente. Não me meto na briga, quem sou eu? Desconhecido literato nas restauradas ruas antigas da Baía, hoje atracões turísticas, enfermo a buscar saúde no clima do sertão, não me cabem conclusões Nesse interregno, nessa pausa na narrativa da chegada a Agreste de Tieta e de Leonora Cantarelli, enquanto Ascânio discute em Paulo Afonso, antes da missa pela alma do comendador, nesse interregno, repito, quero apenas colocar aqui uma afirmação que, em geral, se inscreve no início dos livros de ficção: toda semelhança é mera coincidência. Sem esquecer outro lugar comum: a vida imita a arte. Falta-me arte, certamente, mas estou disposto a responder a processo por crime de calúnia ou a ser agredido por um pau mandado de Mirko Stefano, melífluo e untuoso, quase sempre. Colérico e violento se preciso.

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