quarta-feira, fevereiro 18, 2009


Tieta do Agreste

EPISÒDIO Nº 54





DE TERRENOS E CASAS À VENDA OU TIETA NO MUNDO DOS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS


Foi o dono do curtume que chamou a atenção de Tieta para a casa de dona Zulmira.

De braço com a esposa, dona Aída, Modesto Pires visitara a badalada conterrânea logo no dia seguinte ao desembarque, apressado em conhecer melhor a emitente dos cheques mensais que ele descontava. Guardava leve lembrança da molecota a pastorear cabras, namoradeira, expulsa de casa pelo pai, regressando agora viúva e rica. Admirou-lhe as carnes e a imponência, o requinte da peruca acaju, a saia aberta de um lado, refinamentos devidos à posição social e ao trato de São Paulo. Comparou-a com Carol, dois pancadões de mulher, diferentes uma da outra mas ambas fartas, densas, desejáveis mulheres para a cama.

Acompanhada de Leonora e de Ricardo, de batina, Tieta, dias depois, paga a visita. Modesto e dona Aída a recebem e tratam nas palmas das mãos; licor de jenipapo, bolo de milho, doce de banana em rodinhas, confeitos e bolachas de goma. Dona Aída esconda essas tentações, estou engordando a olhos vistos, vou virar uma baleia. Que nada, a senhora está óptima. Leonora regala-se com o doce de banana em rodinhas, Tieta promete:

- Depois lhe digo como se chama este doce aqui…

Risos na sala. Modesto Pires comporta-se como homem do mundo, liberal.:

- Se quiser dizer não se acanhe, dona Antonieta. Aída e o padrezinho tapam os ouvidos.

- Maluquice minha, sou uma estouvada. Me desculpe, dona Aída. O que quero pedir ao senhor, seu Modesto, é um conselho.

Homem rico, importante plantador de mandioca em Rocinha, criador de cabras e ovelhas, proprietário do curtume, de terras a perder de vista, na beira do rio, nas imediações de Mangue Seco, de várias casas de aluguel, entre as quais aquela onde Elisa reside, ninguém melhor do que Modesto Pires para aconselhar sobre casas e terrenos.

- Quanto a terreno em Mangue Seco, se desejar, eu mesmo lhe posso servir. Boa parte do coqueiral daquela área me pertence. Temos lá uma casa de veraneio, para receber os netos, só que não vêm.

Dona Aída não esconde a mágoa: apenas a filha mais velha, casada na Baía com um engenheiro da Petrobrás, aparece nas férias e traz os dois meninos.

O filho, médico, no interior de São Paulo, sócio de uma casa de saúde, casado com paulista, promete muito, nunca se decide. Tão pouco a filha mais nova; vive em Curitiba, o marido é paranaense, empresário, construtor de imóveis.

Para ver filhos e netos dona Aída tem de viajar, tomar o avião em Salvador, morre de medo. Antonieta simpatiza com a queixosa:

- A vida no sul é muito absorvente, ninguém tem tempo para nada. É por isso que quero comprar casa aqui e terreno na praia.

Ali mesmo acertam os detalhes sobre o lote em Mangue Seco, vizinho ao do Comandante Dário, adquirido também a Modesto Pires. Depende dela ver e gostar, naturalmente.

- Vai adorar, o lugar é lindo e está a salvo da chuva de areia. De lá para as dunas, um pulo, uma caminhadinha a pé, Boa para manter a forma.

- É bonito, sim – confirma dona Aída. – Tomara que a senhora venha sempre, assim aumenta a nossa colónia de veraneio. Daqui a uns dias estaremos lá. Logo que Marta e Pedro cheguem – refere-se à filha e ao genro engenheiro.

- Nós iremos com o Comandante, neste fim-de-semana. Estou contando as horas. Faz para mais de vinte e seis anos que não vejo a praia de mangue Seco.

Modesto Pires informa:

- Quanto à casa na cidade, sei que dona Zulmira quer vender a dela, até já mandou me oferecer. Não me interessei, comprar casa de aluguel em Agreste é comprar consumição. Os alugueis são baixos, as casas sempre precisando de conserto, o pagamento atrasa. Tenho algumas, vivo me amofinando com elas. Mas essa casa de dona Zulmira vale a pena. Construção boa, terreno plantado. Ela quer se desfazer para dar dinheiro à Igreja. Tem medo que o sobrinho, se ela morrer, faça como os parentes do finado Lito que botaram causa na justiça, contestando o testamento pelo qual ele deixou tudo para o padre dizer missa. Não sei a conselho de quem, dona Zulmira resolveu vender a casa e dar logo o dinheiro à Senhora de Sant’Ana. A velhinha só ocupa um pedaço da residência: um quarto, a cozinha e o banheiro, o resto trancado, se estragando.

- Onde ela vai morar?

- Tem uma casinha pequena desalugada. Vai morar lá.

- E quanto ela está pedindo, o senhor sabe?

- Já lhe digo – Modesto Pires vai em busca da pasta, retira um papel.

- Está aqui a quantia, escrita pela mão dela.

- Barato, não é?

- Para a senhora, talvez. Para Agreste razoável. Não digo que seja caro mas casa aqui não tem valor. Passe na rua e veja quantas ao abandono, em ruínas. Como diz minha filha Teresa, a que mora em Curitiba, Agreste é um cemitério.

- Um cemitério? Se Agreste, com este clima, esta fartura de frutas e peixes, essa água santa é um cemitério, o que se há-de dizer de São Paulo?

- São Paulo, dona Antonieta é uma grandeza, com aquele parque industrial, aquele movimento, aqueles edifícios uma potência. Que ideia a sua comparar Agreste com São Paulo.

Não estou comparando seu Modesto. Para quem quer ganhar dinheiro, São Paulo é a cidade ideal. Mas para viver, para descansar, gozar de um pouco de sossego, quando a gente cansou de trabalhar e de ganhar dinheiro…

- E tem quem se canse de ganhar dinheiro? Me diga, Dona Antonieta? Não sei de ninguém.

- Tem sim, seu Modesto – Tieta pensa em Madame Georgette, passando o negócio adiante, embarcando para França no auge dos lucros.

- Pois eu não acredito, me perdoe – Muda de assunto, - soube que a senhora mandou telegramas para São Paulo pedindo que Hidrelétrica nos forneça luz.

- Telegrafei para dois amigos do meu finado marido que me consideram. Pode ser que dê resultado.

- Deus permita. Estão falando que um dos dois foi o doutor Ademar, será verdade?

- É sim, dou-me muito bem com ele, lhe arranjei uns votos na última eleição. Filipe não votava nele, coisa de paulista metido a nobre. Mas se davam bem e comigo ele sempre foi muito atencioso.

- Para mim – sentenciou o dono do curtume – é um grande homem. Rouba mas faz. Se todos fizessem como ele, seríamos rivais do EUA. Não pensa assim dona Antonieta?

Nessas trincas de polícia, sou ignorante, seu Modesto. Lhe digo apenas que grande coisa é ter amigos. Felizmente, eu tenho.

- Se a senhora conseguir a luz da Hidrelétrica, o povo lhe vai entronizar no altar-mor da Matriz, junto com a Senhora de Sant’Ana.

Ideia tão estapafúrdia, Antonieta riu às gargalhadas.

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