quinta-feira, setembro 02, 2010

DONA FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS

Episódio Nº 214



- “Arrulhos de Florípedes”, anunciou o maestro, “com doutor Teodoro Madureira em solo de fagote”. Certamente uma beleza.

Mas ensaio é ensaio, não é concerto nem mesmo exibição. Se, em outros números, nos quais já se considerava a orquestra bem afinada, o maestro ainda interrompia ora um ora outro, naquela obra inédita foram de passo a passo ou melhor de nota a nota, inclusivé doutor Teodoro a solar em seu fagote. Não era fácil acompanhar a melodia, sentir-lhe a graça, a beleza suave como a da homenageada, mansa e terna.

Ainda assim, comoveu-se dona Flor com o gesto do maestro e a devoção do farmacêutico, quase a tremer na busca da perfeita escala com que brindar a esposa. Em sua frente a partitura e ele, numa tensão de nervos, quase rígido, a testa em suor, frias as mãos, mas disposto a exprimir nos sons graves do fagote sua alegria de homem vitorioso, de vida plena e realizada: com seu dinheiro, sua farmácia, seu saber, sua oratória, sua paz e sua ordem, sua música, sua esposa linda e honesta e o respeito geral. Buscava aquele acorde, havia de alcança-lo. Dona Flor baixou a cabeça, com tanta honraria sentindo-se confusa e perturbada.

Felizmente chegou a hora do intervalo, regalou-se o maestro a comer e repetir o mungunzá, fartaram-se os demais com aquelas gostosuras, encharcando-se de cerveja, gasosa e guaraná, tudo perfeito.


RONDÓ DAS MELODIAS


Deslizou dona Flor, mansa e cortês, por aqueles mundos da farmácia e da música de amadores, outra vez nos trinques, em apuros de elegância para não fazer feio nem passar vergonha nos ambientes onde sua nova condição a introduzira. Quando jovem, antes do primeiro matrimónio, conviva pobre em casas ricas, em palacetes de graúdos, era a mais bem vestida das mocinhas, em caprichos de bom gosto, só Rosália, sua irmã, se lhe podia comparar. Nenhuma outra por mais rica e perdulária.

Outros ambientes, outros assuntos e conversas, novas relações. Exigências, compromissos, vez por outra a obrigação de um chá, de uma visita, de um ensaio. Na residência de um director da Sociedade Farmácia ou de um fidalgo da orquestra de amadores. Lá ia dona Flor por entre exclamações da vizinhança, soberba em seu esmero, a locé em seu donaire, vistosa pabulagem de mulher. Engordara um pouco e aos trinta anos, louça e chique, era um pedaço de morena, dessas de apetite:

- Um peixão… - ciciava entre dentes seu Vivaldo da funerária – as carnes assentaram, a popa arredondou… Um petisco… Esse doutor Xarope está comendo pitéu de rei…

- Trata ela como rainha, lhe dá de um tudo, passadio de nobreza – dizia dona Dinorá, que previra doutor Teodoro na bola de cristal e lhe guardara constante fidelidade – E que estampa de homem…

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