quarta-feira, outubro 13, 2010

DONA
FLOR

E SEUS
DOIS

MARIDOS

Episódio Nº 242



Sozinha, dona Flor deu as costas a tudo aquilo; os doces, as garrafas de bebida, a desarrumação das salas, os ecos das conversas na calçada, o fagote a um canto, mudo e grave. Andou para o quarto de dormir, abriu a porta e acendeu a luz.

- Você? – disse numa voz cálida mas sem surpresa, como se o estivesse esperando.

No leito de ferro, nu, como dona Flor o vira na tarde daquele domingo de carnaval quando os homens do necrotério trouxeram o corpo e o entregaram, estava Vadinho deitado, a la godaça, e sorrindo lhe acenou com a mão. Sorriu-lhe em resposta dona Flor, quem pode resistir à graça do perdido, àquela face de inocência e de cinismo, aos olhos de frete? Nem uma santa da igreja, quanto mais ela, dona Flor, simples criatura.

- Meu bem… - aquela voz querida de preguiça e lenta.

- Por que veio logo hoje? – perguntou dona Flor.

- Porque você me chamou. E hoje me chamou tanto e tanto que eu vim… - como se dissesse ter sido o seu apelo tão insistente e intenso a ponto de fundir os limites do possível e do impossível . – Pois aqui estou, meu bem, cheguei indagorinha… - e semilevantando-se, lhe tomou a mão.

Puxando-a para si ele a beijou. Na face porque ela fugia com a boca.

- Na boca, não. Não pode, seu maluco.

- E por que não?

Sentara-se dona Flor na borda do leito, Vadinho novamente se estendeu a la vontê, abrindo um pouco as pernas e exibindo tudo, aquelas proibidas (e Formosas) indecências. Dona Flor se enternecia com cada detalhe desse corpo: durante quase três anos ela não o vira e ele permanecia igual como se não tivesse havido o tempo.

- Tu está o mesmo, não mudou nem um tiquinho. Eu, engordei.

- Tu está tão bonita, tu nem sabe… Tu parece uma cebola, carnuda e sumarenta, boa de morder… Quem tem razão é o salafra do Vivaldo… Bota cada olho em teu pandeiro, aquele fístula…

- Tira a mão daí, Vadinho, e deixa de mentira… Seu Vivaldo nunca me olhou, sempre foi respeitador… Vai, tira a mão…

- Por que, meu bem…? Tira a mão, por quê?

- Você se esquece, Vadinho, que sou mulher casada e que sou séria? Só quem pode botar a mão em mim é meu marido…

Vadinho pinicou o olho num deboche:

- E eu o que é que eu sou, meu bem? Sou teu marido, já se esqueceu? E sou o primeiro, tenho prioridade…

Aquele era um problema novo, nele não pensara dona Flor e não soube contestar:

- Tu inventa cada coisa… Não deixa margem para a gente discutir…

Na rua, de volta, soaram os passos firmes do doutor Teodoro.

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