sexta-feira, dezembro 24, 2010

DONA FLOR
E SEUS DOIS

MARIDOS


Episódio Nº 302



Um dinheirinho para velas. Talvez, com aquele reforço de iluminação dessa para ela desmascarar a trama inteira. Guardou as notas na gaveta, acendeu velas simbólicas e, à sua luz, seus olhos de vidente reconheceram os inimigos de Pelancchi:

- Vejo três homens na beira de um caminho e os três lhe querem mal…

- Ah! – gemeu Pelancchi – Me diga signora mia, como são…

Demorou-se ela num esforço para enxergar, Pelancchi tinha pressa:

- Olhe se um não é careca e se o outro não é um gordo? O terceiro…

- Deixe que ela mesmo diga do terceiro… - sugeriu Máximo Sales, enxerido da pior espécie – Afinal quem é a adivinha?

A pitonisa, mesmo em transe, fulminou com o olhar o canalha a lhe fazer mais árdua a caridade: quem disse ser de ganho fácil o seu dinheiro? Roncou, bufou, mordeu os pulsos, deu socos na cabeça: era por acaso fácil esse dinheiro de Pelancchi? Difícil e arriscado:

- O primeiro dos três – anunciou com voz de túmulo – é um homem calvo.

- Grande novidade… - rosnou Máximo, o crápula.

- O segundo é um senhor gordo, bem gordo…

- E o terceiro, como é? – exigia o tal de Máximo.

- O terceiro não vejo ainda bem, está nas trevas…

Pelancchi não se continha:

- É isso mesmo, sempre escondido, maldetto! Veja senão tem bigodes e o nariz quebrado…

Mas a pitonisa certamente não o ouviu, na distância do além, buscando ver:

- Agora estou enxergando: usa bigodes e…esperem, estou vendo… tem o nariz quebrado…

- São os Strambi, não tem dúvida – Pelancchi quis saber como agir para os afastar do seu caminho, a esses Strambi implacáveis.

Para expulsá-los da Bahia, para conduzi-los aos nobres sentimentos do perdão e ao Levante mais longínquo, Aspásia, extenuada, exigia uma quantia um tanto forte. Pelancchi já puxava da carteira, mas Máximo Sales, decididamente um traste imundo, outra vez se meteu onde não era chamado, e obteve substancial abatimento.

Pelas mãos de Aspásia foram-se os Strambi, mas não o azar no jogo. Pelancchi seguiu o calvário, sua via-crucis de adivinha e ocultista.

Josete Marcos, pelo menos era bonita e jovem, constatou Máximo Sales: uma excepção na confraria em geral composta dos argaços mais chinfrins. Porque – perguntava-se o professor de contravenção – o outro mundo se servia de tais espantalhos? Por que eram tão sujas as salas de consulta, os templos das revelações, tão forte a inhaca do mistério, o aftim das almas? O céptico Máximo concluíra ser o além um tanto fedorento e sujo.

Salve Josete Marcos, esguia e loira, e limpa!

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