domingo, março 06, 2011

HOJE É
DOMINGO




Pois é… diz o povo, na sua manhosa sabedoria de quem é velho e acumulou mais vícios que virtudes, que “nunca mais é sábado...”!

"… ah!, abençoado descanso que nunca mais chegas..." - O trabalho feito castigo, herança da nossa cultura ancestral judaico-cristã, (parece que nos portámos mal no paraíso...) persegue-nos, só nos dá tréguas ao Domingo.

Eu também respeito essas tréguas: ao Domingo não há história da Tereza, nem Entrevistas Ficcionadas com Jesus ou as respectivas Informações Adicionais.

Não gosto de ser desmancha-prazeres ou de armar em diferente. Descansar ao Domingo, afinal, é quebrar a rotina dos dias de trabalho mas, como acontece invariavelmente de sete em sete dias, acaba também por ser outra rotina.

Tal como vos dizia, meus amigos, tudo na vida são rotinas na vã tentativa de iludir o tempo… o tempo da nossa vida.

E cá estou eu, a tomar o pequeno-almoço no Café do costume, de jornal à frente, alheado das conversas que me rodeiam… sim, é verdade, a leitura do jornal tornou-se num vício para mim. Aprecio o contacto com o papel, o seu cheiro, gosto de o desfolhar.

Notícias, opiniões, comentários, mesmo as que já são conhecidas, têm que ser confirmadas na leitura dos jornais. Neste aspecto, o computador veio tarde para mim que comecei a comprar o jornal atirando para o passeio, onde eles estavam alinhados ao lado uns dos outros, uma moeda de escudo.

Percebo como estou velho… lembro-me de ter vivido demasiadas coisas que pertencem a um passado recuado, direi mesmo que algumas já são história: a independência de Moçambique, em 25 de Junho de 1975, na cidade da Beira, a guerra colonial de Angola nos seus primórdios, em fins de 1962, e mais recuado ainda, sem possibilidade de me lembrar, a Rua José Patrocínio, no Poço do Bispo, onde nasci, num prédio com terraço, revestido a azulejos verdes que, se ainda estiver de pé, está em ruínas, não me terá sobrevivido…

Sorriu interiormente quando pego no saco do ténis e vou jogar com o meu amigo Carlos como se o tempo e os anos não tivessem passado. Que diriam os velhos da aldeia dos meus avós paternos, tios e parentes em boa parte, pelo menos no tratamento: o Ti Zé, o Ti Manel, a Ti Maria, todos “tios”e “tias”?

Uma coisa é certa, era impossível alguém morrer sem que a aldeia não o soubesse na hora… a aldeia era grande família!

Sim, podia não haver abastança, em alguns casos haveria mesmo fome, não sei, a comida então era pouca e não daria para encher completamente a barriga de muitos deles, mas não viviam a humilhação dos caixotes de lixo nem corriam o risco de serem ignorados, esquecidos, e se não tinham um Centro de Saúde para se juntarem esperando a consulta do médico, as mulheres tinham a fonte onde se sentavam, primeiro à espera de vez para encherem o cântaro, ou simplesmente para porem a conversa em dia, consoante a disponibilidade do tempo para as tarefas da casa, e quando já não eram horas de encontro na fonte sentavam-se em pequenas cadeirinhas de verga, no pial da porta, a apanhar o fresco do fim da tarde e a conversar com as vizinhas que passavam.

Os homens, esses, entretinham-se nas hortas ou trabalhavam para algum patrão à jorna, se havia trabalho, e quando o sol ameaçava finalmente pôr-se naqueles intermináveis dias de verão, juntavam-se em frente das tabernas que funcionavam também como pequenas mercearias, conversando e esfumaçando os seus cigarros de tabaco de Onça Superior enrolados em folhas de papel Zig-Zag.

Essa aldeia dos meus avós já não existe. A auto-estrada da Beira, que lhe passa ao lado, do outro lado do rio, roubou-lhe grande parte do trânsito que a atravessava e desferiu-lhe o golpe de misericórdia.

"Malditas" auto-estradas… não bastava já o êxodo para as cidades, foi também necessário retalhar o país, isolando as terras, as pequenas localidades, retirando-lhes importância, humilhando-as?

Bom Domingo para todos.

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