terça-feira, março 01, 2011

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA


Episódio Nº 43

Os olhos do capitão acompanham a menina na escalada, de galho em galho. Os movimentos largos levantam o saiote, mostram a calçola suja de barro. Apertam-se ainda mais os olhos pequeninos de Justiniano Duarte da Silva – para ver melhor e imaginar. Também os olhos de Rosalvo, baços e cansados, olhos de cachaça em geral postos no chão, se animam à visão de Tereza, movem-se, sobem pelas pernas e ancas.

Da beira do fogo, Filipa atenta aos olhares de justiniano Duarte da Rosa e aos do marido: se demorar por pouco que seja, Rosalvo passa ela nos peitos.

As intenções do marido em relação à sobrinha, Filipa as percebera à muito. Razão a mais, poderosa, a favor das evidentes pretensões do capitão. Três visitas em duas semanas, muita conversa fiada, desperdício de tempo. Quando finalmente se decidirá a botar as cartas na mesa e a falar de negócios? Na opinião de Filipa, é hora de terminar com tantos preliminares, o capitão já exibiu riqueza, poder, capangas, já demonstrou desejo e poderio, por que não fala de uma vez?

Ou pensa que vai levar o bom bocado de graça? Se assim imagina, então não conhece Filipa. O capitão justo pode ser proprietário de terras, de roças plantadas e de cabeças de gado, do maior armazém da cidade, chefe de jagunços, mandante de mortes, violento e perverso, mas nem por isso é dono ou parente de Tereza, não foi ele que a alimentou e vestiu durante quatro anos e meio. Se a quiser, terá de pagar.

Não foi ele nem foi Rosalvo, pai da cachaça e da preguiça, a indolência em pessoa, resto de homem, um peso nas costas de Filipa. Se tivesse dependido dele, não teriam acolhido a desgraçada, órfã de pai e mãe. Agora, no entanto, lambe os beiços quando ela passa e acompanha guloso a formação do corpo, o despontar dos seios, as primeiras curvas das ancas; com a mesma gula acompanha a engorda do porco nos chiqueiros dos fundos. Pinóia de homem, não presta para nada, só sabe comer e dormir.

Quem sustenta a casa, compra a farinha, o feijão, o jabá, os trapos de vestir e até a cachaça de Rosalvo, é ela, Filipa, com o trabalho dos seus braços, plantando, criando, vendendo aos sábados na feira. Não que Tereza houvesse dado tamanha despesa, até ajudava nos afazeres da casa e do roçado. Mas o quanto custou, muito ou pouco, a comida, a roupa, o beabá, as contas, os cadernos para a escola, quem lhe deu tudo isso foi tia Filipa, irmã de sua mãe Marieta, morta junto com o marido no desastre da marinete, vai para cinco anos. Agora, quando surgem os pretendentes, é justo seja ela, Filipa, a cobrar e a receber.

Talvez um pouco verde, nem de vez ainda, se amadurecesse mais uns dois anos, estaria no ponto. Assim tão menina, não há como negar, é malvadeza entregá-la ao capitão, mas louca seria Filipa se resolvesse esperar ou se opor.

Esperar para vê-la na cama com Rosalvo ou nos matos com um moleque qualquer? Se opor para Justiniano levá-la à força, na violência e de graça? Afinal, Tereza, em breves dias completará treze anos. Pouco mais tinha Filipa quando Porciano lhe fez a festa e na mesma semana caíram-lhe em cima os quatro irmãos dele e o pai e, como se não bastasse, lambuzou-a o avô, o velho Etelvino, já com cheiro de defunto. Nem por isso morrera ou ficara aleijada. Não lhe faltou sequer casamento, com bênção de padre. Também vocação de corno igual à de Rosalvo não se conhecia na redondeza. Tão chifrudo quanto cachaceiro.

Precisa saber conduzir as conversações para obter o máximo, anda bem necessitada de um dinheirinho extra. Para ir ao dentista, para se arrumar um pouco, comprar uns panos, um par de sapatos. Com o passar do tempo está ficando um estrepe, os homens na feira já não rondam em
torno dela, quando param e olham é para medir o tempo de Tereza.

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