quarta-feira, março 09, 2011

TEREZA
BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA


Episódio Nº 50


- Vambora!

Arrastaram-na para o caminhão, ele e Terto. Filipa andou para casa, a pedra verde reluzia ao sol. Rosalvo primeiro ficou parado, ainda sem forças, em seguida caminhou para o cachorro. O animal gemia, a perna ferida.

No estribo do caminhão estava escrito em alegres letras azuis: DEGRAU DO DESTINO. Para fazê-la subir, Justiniano aplicou lhe mais um tabefe, dos bons. Assim Tereza Batista embarcou em seu destino: peste fome e guerra.


7

Atiraram-na dentro do quarto, bateram a porta. Ao saltar do caminhão, Justiniano e Terto Cachorro tiveram de carregá-la, prendendo-lhe as pernas e os braços. Pequeno e escuro, no fundo da casa, o quarto possuía apenas uma janela ao alto, condenada, por cujas frestas filtravam-se o ar e a claridade.

No chão, largo colchão de casal, com lençol, travesseiros e urinol. Na parede, penduradas, uma oleografia da Anunciação da Virgem, com Maria e o Anjo Gabriel, e a taca de couro cru. Antigamente houvera cama, mas, por duas vezes, a armação viera abaixo nas peripécias da primeira noite: com a negra Ondina, o diabo solto, e com Gracinha, apavorada, louca de hospício. Justiniano resolvera abolir a cama: o colchão em cima do soalho bem mais cómodo e mais fácil.

Havia um quarto assim no quarto da roça, outro na casa da cidade, atrás do armazém. Quase idênticos, destinados ao mesmo prazeroso fim: as núpcias do capitão Justo com as donzelas recolhidas por ela em suas buscas e encomendas.

Preferia as novinhas, quanto mais nova melhor, recomendava, e exigia cabaço comprovadamente virgem. As de menos de quinze anos, ainda cheirando a leite – como lhe disse Veneranda, cafetina de Aracaju, dada ás letras, ao lhe confiar Zefra Dutra, ainda cheirando a leite mas já fazendo a vida há mais de um ano, aquela Veneranda só na porrada! – as de menos de quinze anos, quando virgens real mente, mereciam as honras de um elo no colar de ouro.

No particular, Justiniano Duarte Rosa agia com estrito rigor. Há quem coleccione selos, milhares e milhares de tipos pelo mundo afora, do falecido rei de Inglaterra a Zoroastro Curinga, empregado dos correios e bom de bisca; outros preferem punhais, como o faz Milton Guedes, um dos donos da usina de açúcar; na capital existem coleccionadores de santos antigos, carunchosos, de caixas de fósforos, de porcelana e marfim e até de figuras de barro das vendidas nas feiras – Justiniano colecciona meninas, recolhe e traça exemplares de cor e idade vária, algumas maiores de vinte e um anos, donas de sua vida, mas para a colecção só contam as bem crianças, cheirando a leite. Só para as menores de quinze anos a honra do colar de argolas de ouro.

Muitas já derrubara, naquele colchão da casa da roça, no colchão da casa da cidade. Algumas, sabidas, em geral as mais velhas, manuseadas em namoros, preparadas; a maioria, porém, composta de meninas medrosas, assustadas, ariscas, fugindo pelos cantos e o capitão dando-lhes caça, um desportista. Certa vez, uma delas se mijou de medo quando ele a alcançou e sujeitou se mijou toda, molhando as pernas e o colchão, coisa mais doida, Justiniano ainda se arrepia de prazer ao lembrar-se.

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