terça-feira, março 08, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA
DE

GUERRA

Episódio Nº 49


No enlevo do anel, a voz de Filipa ressoa quase afectuosa:

- Tereza, vai juntar as tuas coisas, todas. Tu vai com o capitão, vai morar na casa dele, vai ser cria do capitão. Lá tu vai ter de um tudo, vai ser uma fidalga, o capitão é um homem bom.

Em geral não era preciso repetir ordens a Tereza; na escola a professora Mercedes a elogiava, entendimento fácil, inteligência viva, raciocínio pronto, num instante aprendera a ler e a escrever. Mas essa novidade, Tereza não entendeu.:

- Morar na casa do capitão? Porquê, tia?

Quem respondeu, voz de dono, foi o próprio Justiniano Duarte da Rosa. Punha-se de pé, a mão estendida para a menina:

- Não precisa saber porquê, se acabaram as perguntas, comigo é ouvir e obedecer; fique sabendo, aprenda de uma vez por todas. Vamobora.

Tereza recuou da porta, mas não tão rápida; o capitão a segurou pelo braço. Troncudo e gordo, meão de estatura, rosto redondo sem pescoço, com todo aquele corpanzil, Justiniano era ágil e forte, leve e ligeiro, bom de dança, capaz de romper um tijolo com um soco.

- Me largue – esperneou Tereza.

- Vambora.

Ia empurrá-la quando a menina mordeu-lhe a mão com força, com força de raiva. Os dentes deixaram marca de sangue na pele rugosa e cabeluda, o capitão a soltou, ela sumiu no mato.

- Filha da puta, me mordeu, vai me pagar. Terto! Terto!

- Gritou pelo capanga a ressonar na boleia do caminhão: - Aqui, Terto! E você também! – Dirigia-se aos tios: - Vamos pegar a moleca, não estou para perder tempo.

Terto Cachorro juntava-se a eles, saíam para o quintal.

- E Rosalvo, que é que faz ali parado?

Filipa deu meia, volta encarou o marido:

- Tu não vem? Eu sei o que tu está querendo, cabrão descarado. Vem, antes que eu perca a paciência.

Vida desgraçada, que jeito senão juntar-se aos outros, mas não vou de meu querer, esse pecado, meu Deus, não é meu, é só dela, da coisa ruim, ela bem sabe que a casa do capitão é peste, fome e guerra. Rosalvo incorpora-se à caça de Tereza.

Durou quase uma hora, quem sabe mais, o capitão não marcou o relógio de pulso, cronómetro preciso, mas estavam todos botando os bofes pela boca quando finalmente a cercaram no matagal e Rosalvo foi, pé ante pé, pelo outro lado. Para ele o vira-lata não latiu, atento aos demais. Pela última vez Rosalvo tocou o corpo de Tereza, sujeitou-a com os dois braços, prendendo-a contra o peito e as pernas. Abraçou-se nela antes de entregá-la.

Terto acertou um pontapé no cachorro, deixando-o estendido, uma perna destroçada, foi ajudar Rosalvo. Agarrou Tereza por um braço, Rosalvo segurava o outro, pálido, esvaído em gozo e medo. Ela se debatia tentava morder, os olhos em fogo. O capitão veio vindo, de manso parou à frente da menina, meteu-lhe a mão na cara, a mão grande, gorda, aberta. Uma, duas, três, quatro vezes. Um filete de sangue correu do nariz, Tereza engoliu em seco. Não chorou. Comandante não chora –
aprendera – aprendera com os moleques nas brincadeiras de guerra.

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