segunda-feira, março 14, 2011

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA

Episódio Nº 54



Nas proximidades do Palácio de Despachos, alguém lhe apresentara um secretário de Estado, dizendo: “Doutor Dias é um prócer do Governo”. Justiniano apreciara o termo, ainda mais por que o conhecido o empregava igualmente em referência a ele: “Excelência, o capitão Justiniano Duarte tem um bocado de prestígio no sertão. Não demora e será um prócer também”. Satisfeito, pagou a cerveja e charutos para o tipo, vago jornalista à cata de jantar, e, pondo o orgulho de lado, perguntou:

- Prócer, que diabo é? Essas palavras estrangeiras, sabe, tem umas que ignoro.

Prócer, quer dizer chefe político, figura de proa, importante, homem de valor comprovado, ilustre. Por exemplo, Rui Barbosa, J. J. Seabra, Goês Calmon, o coronel Franklin…

- É francês ou inglês?

- Alemão – valorizou o charlata, ordenando mais cerveja.

Os próceres devem-se certas obrigações, a não ser quando se defrontam em campanha política. Mesmo tais divergências, porém, a morte as apaga, fica o dito por não dito, os agravos se enterram com o defunto, o doutor tinha sido um prócer e acabou-se. Conta aberta no armazém, Excelentíssima.

Inacreditável oferta; alguns dias depois, dona Brígida descobriu o motivo real do crédito e da aproximação do comerciante.

Só faltou cair dura no chão – não, não era possível, não podia crer! Absurdo sem tamanho, inimaginável e, no entanto, facto patente: o capitão estava de olho em Dóris, rondava-lhe as saias.

Saias curtas, sapatos baixos, dona Brígida ainda não a promovera a moça, apesar dos catorze anos e das regras mensais. Mantivera-a menina por mais barato e mais adequado à sua condição e à falta de perspectivas. Jamais passou pela cabeça de dona Brígida – essa a verdade nua e crua – fosse alguém interessar-se por Dóris, calada, trancada em si mesma, difícil, sem amigas, toda da igreja, de missas e novenas. “Essa vai ser freira”, repetiam as comadres e dona Brígida não desaprovava. Não via melhor saída, solução mais favorável.

Dóris, herdara os nervos do pai, magoava-se facilmente, chorava por um nada, metia-se pelos cantos, emburrada, o terço na mão. Sem insistir na falta de atributos físicos, capítulo que dona Brígida preferia silenciar – não sendo de todo feia de rosto, olhos grandes e claros, espantados, cabelo loiro em franjinhas, o corpo era uma tristeza, magro feixe de ossos, as pernas uns gravetos, busto raso, seios sem volume – jamais tivera namorado.

Dona Brígida, de cujo amor maternal ninguém ousaria duvidar, ao apertar a filha contra o corpo opíparo de Rainha-mãe, declamava, dramática: “Minha Gata Borralheira!” Sim, tudo apontava Jesus como príncipe encantado dessa borralheira sertaneja; as freiras da Escola Normal e do Hospital cultivavam-lhe a vocação taciturna e as colegas, cruéis, apelidaram-na de madre Esqueleto.

Ora, já se viu, o capitão! Nenhum rapaz da rua ou menino do colégio levantou jamais os olhos para Dóris com ternura ou malícia, nem um só propôs-se a levá-la atrás do outeiro, clássico couto de namorados, caminho por onde passavam quase todas na saída das aulas, em rudimentar aprendizagem. Dessas coisas, Dóris só sabia por ouvir dizer. As colegas tinham maligno prazer em tomá-la por confidente de beijos, agarramentos, bolinagens, com detalhes excitantes.

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