sábado, março 12, 2011


TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA

Episódio Nº 53


Apesar disso e dos luxos de dona Brígida, o doutor teria deixado um pecúlio, mesmo pequeno, não houvesse se metido em política para satisfazer a amigos e honrar a esposa, cujo pai em tempos passados chegara a conselheiro municipal.

A eleição para prefeito, a manutenção do partido político, os anos de administração com o tempo da clínica reduzido, o desfalque dado por Humberto Sintra, tesoureiro da Intendência, correligionário e cabo eleitoral, um dos baluartes da vitória, desfalque abafado e coberto na íntegra pelo doutor com a hipoteca da casa, e sobretudo a campanha seguinte, ruinosa, deixaram-no derrotado, desiludido e sem tostão.

Saiu da disputa eleitoral de nervos desfeitos e coração pesado. Os desgostos consumiram-lhe a alegria habitual, transformaram-no num ser triste e impaciente; se não houvesse morrido em, seguida a um enfarte fulminante, não teria deixado sequer a fama de bondoso e caritativo. Quando dona Brígida secou as lágrimas para atender ao inventário, encontrou-se reduzida à mísera pensão de viúva de médico da saúde pública estadual e às incobráveis contas de consultas.

Dois anos depois do inesquecível enterro do doutor Ubaldo Curvelo, seguido da igreja ao cemitério por toda a cidade de Cajazeiras do Norte, ricos e pobres, correligionários e adversários, Governo e oposição, os grupos escolares e a Escola Normal, a situação de dona Brígida e de Dóris fizera-se insustentável – a hipoteca da casa a vencer-se, o dinheiro mensal insuficiente, o crédito esgotado.

Nem as aparências dona Brígida conseguia mantê-las, por mais remendasse vestidos e tentasse esconder apertos e vicissitudes. Os comerciantes exigiam o pagamento das contas, a memória abençoada do doutor ia ficando para trás, dissipava-se no tempo, já não conseguiam viver às suas custas. Via-se dona Brígida na iminência de descer do trono de Rainha Mãe. Primeira-dama do Município durante a gestão do falecido marido, mesmo depois da derrota mantivera a majestade e, falecido o doutor, fez-se ainda mais altaneira e arrogante.

Uma das comadres, dona Ponciana de Azevedo, língua-de-trapos, merecedora de praça maior onde exercer, apelidou-a de Rainha Mãe em reunião das paraninfas da festa da Senhora Sant’Ana, e perdeu tempo e veneno: o título agradou a dona Brígida, caiu-lhe bem.

No sacrifício e na raça conservara manto e ceptro, mas já não enganava ninguém. Dona Ponciana de Azevedo, vingativa e persistente, calada da noite enfiou um recorte de jornal sob a porta da casa de dona Brígida: “Rainha da Sérvia no exílio passa fome e empenha as jóias”. Jóias, possuíra uma meia dúzia, nos bons tempos; vendera até os últimos anéis a um turco da Bahia, regatão a comprar de casa em casa ouro e prata, santos mutilados e móveis antigos, caídos de moda, escarradeiras e penicos de louça. Fome ainda não passara – nem ela nem a filha – a inesperada gentileza do capitão Justo impedira o pior quando os demais comerciantes de secos e molhados lhe cortaram o crédito.

Gentileza talvez não fosse a palavra correcta. Homem de pouca ilustração, Justiniano Duarte da Rosa não era de finuras e rodeios, de subentendidos gentis. Um dia parou junto à janela de onde dona Brígida comandava a rua, nem deu boa tarde, directo e rude:

- Sei que a Excelentíssima anda comendo da banda podre, não tem mais onde comprar. Pois no meu armazém pode comprar fiado, de um tudo e quanto quiser. O doutor tinha cisma comigo, mas era um prócer.

O capitão aprendera a palavra prócer numa recente viagem á capital.

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