quinta-feira, março 17, 2011

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA



Episódio Nº 57


Falavam horrores, “dizem que…”, “quem me contou assistiu…” “não faz muito tempo…”; dona Brígida ouvia as histórias espantosas balançava a cabeça, não dizia sim nem não, uma esfinge Rainha-mãe. As comadres cercavam-na, banda de baratas cascudas rua acima rua abaixo, na missa, na bênção, no imenso tempo vazio. Dona Brígida moita como se tudo aquilo não lhe dissesse respeito.

No silêncio da casa trancada, sem o murmúrio das comadres, à noite, à noite, dona Brígida em vigília, no balanço da situação, passava em revista os horrores do capitão, infinito rosário.

Afinal, tais horrores, reduziam-se bastante quando alguém se detinha a estudar o assunto com isenção e calma. As comadres colocavam o acento sobretudo na questão do mulherio, na devassidão em que transcorria a vida de Justiniano Duarte da Rosa. Desfile de meninas e moças em leito de desfloramentos, orgias nas pensões e castelos, cabrochas violadas, batidas, abandonadas no meretrício.

Ora, o capitão era solteiro e qual o homem solteiro cuja crónica não registara factos e peripécias desse género? A não ser um anormal, um invertido, como Nenem Violeta, porteiro do cinema e chibungo oficial da cidade; segundo dizem, um dos filhos de Milton Guedes também era duvidoso, mas esse os parentes deportaram para o Rio de Janeiro.

A crónica de Justiniano parecia um tanto quanto sobrecarregada, mas quem escapa da boca das comadres? Mesmo os homens casados mais respeitáveis não estavam isentos, uns prevaricadores. Do próprio doutor Ubaldo – um santo, como se sabe – murmuravam; atribuíram-lhe as irmãs Loreto, duas moças sozinhas, herdeiras de casa própria e de pequeno pecúlio, clientes do médico. Deram-lhe as duas por amante, logo de vez. Ninguém se sobrepunha às más línguas em terra de tão poucos afazeres, de tanta solteirona em tarde de crepúsculos lentos, infindáveis horas.

Certamente, concluía dona Brígida, não há de se tomar o capitão como exemplo de castidade nas aulas de catecismo. Tendo dinheiro e sendo livre, não lhe faltará diversão de mulher.

Famílias enormes cresciam nos cantos de rua e nos cantos, oferta, os preços baixos. Não existia escolha: as ditas de boa família, à excepção das raras a casar ou a fugir, estiolavam solteironas e ágrias. Das outras, ditas gentinha, a grande maioria de cedo exercia nos bordéis ou à escuteira, um exército.

Solteiro, o capitão tinha direito a divertir-se. Os exageros iam por conta da saúde vigorosa, da disposição. Aliás, há quem diga que os de vida mais desregrada convertem-se nos melhores maridos, exemplares: tendo gasto quando solteiros a sua cota de sem-vergonhice, assentam a cabeça e o resto.

Para as comadres, o capítulo da vida sexual do capitão, devassa e acintosa, importa e pesa muito mais que todo o resto. A desonestidade nas contas, múltiplas vezes comprovada, a violência no trato, dívidas cobradas na ameaça, brigas e embustes nas rinhas de galo, trapaças no negócio de terras, crimes, mortes mandadas e feitas – tudo isso parece-lhes menos grave. Imperdoável, só a descaração – tanta patifaria! Imperdoável ao capitão e às raparigas, às moças e às meninas, julgadas e condenadas no mesmo acto de acusação. Naquele capítulo não havia vítimas, culpado ele, o tarado, culpadas todas elas, “umas vagabundas, umas perdidas”.
(click na imagem 2 vezes)

Site Meter