sábado, abril 16, 2011

TEREZA


BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA


Episódio Nº 83


20

Os sentimentos de Justiniano Duarte da Rosa em relação à Tereza, tão longe de manter tão longo favoritismo e crescente interesse permanecem ainda hoje à espera de justa definição por falta de acordo entre os letrados. Já os sentimentos de Tereza Batista não exigiam – nem mereceram debates e análises, reduzidos exclusivamente ao medo.
De início enquanto resistiu e se opôs com desespero, viveu e se fez forte no ódio ao capitão. Depois apenas medo, mais nada. Durante o tempo em que habitou com Justiniano, Tereza Batista foi escrava submissa, no trabalho e na cama, atenta e diligente. Para o trabalho não aguardava ordens: activa, rápida, cuidadosa, incansável; encarregada dos serviços mais sujos e pesados, a limpeza da casa, a roupa a lavar, a engomar, na labuta o dia inteiro. No duro trabalho fizera-se forte e resistente; admirando-lhe o corpo esguio, ninguém a julgaria capaz de carregar sacos de feijão de quatro arrobas, fardos de jabá.
Propusera-se a ajudar dona Brígida no trato da neta, mas a viúva não lhe permitia sequer aproximação, menos ainda intimidades com a criança. Tereza era a traiçoeira inimiga a ocupar a cama de Dóris, a usar suas roupas (os vestidos apertados marcavam-lhe as formas nascentes, excitantes), a fazer-se passar por ela para roubar-lhe filha e herança.
Mergulhada na alucinação, num universo de monstros, dona Brígida mantinha-se lúcida, quanto à condição da neta, herdeira única e universal dos bens do capitão. Um dia quando descesse dos Céus o Anjo Vingador, a criança rica e a avó resgatada do Inferno iriam viver na opulência e na graça de Deus. A neta é seu trunfo, sua carta de alforria, sua chave de salvação. Cadela trazida das profundas do Inferno pela Mula-Sem-Cabeça ou pelo Lobisomem para a matilha do Porco, mascarada de Dóris, a intrujona deseja-lhe fechar-lhe a última porta de saída, roubar-lhe a neta, os bens e a esperança. Quando a enxergava por perto, dona Brígida sumia com a pequena.
Quem lhe dera poder cuidar da criança! Não era pela boneca, não era somente pela boneca; Tereza gosta de crianças e bichos e nunca brincou com bonecas. A esposa do juiz, dona Beatriz, madrinha escolhida por Dóris ainda no começo da gravidez, trouxera a boneca da Bahia, presente de aniversário. Abria e fechava os olhos, dizia mamãe, loiros cabelos anelados, vestido branco de noiva. Em geral trancada no armário, aos domingos entregue à criança durante limitadas horas. Apenas uma vez Tereza a teve nas mãos, logo dona Brígida a arrebatou praguejando.
Não reclamava do trabalho – limpeza dos penicos, asseio da latrina, tratamento da chaga exposta de Guga, a trouxa da roupa – mas era-lhe penosa a má vontade da viúva, a proibição de tocar na criança. De longe enxergava-a a andar em seu passo vacilante; devia ser bom ter um filho ou mesmo uma boneca. Ainda mais penosas as obrigações de cama.
Servir de montaria ao capitão, satisfazer-lhe os caprichos, entregar-se dócil a qualquer momento, noite e dia. Após o jantar, estando ele presente, trazia-lhe a bacia com água morna para os pés e os lavava com sabonete. Para passar por Dóris, na opinião de dona Brígida, mas Dóris era feliz ao fazê-lo, pés adorados, beijava-lhe os dedos, frenética à espera de cama e da função. Para Tereza era tarefa insegura e arriscada; mil vezes preferível tratar da chaga fétida de Guga.

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