quinta-feira, maio 05, 2011

TEREZA


BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA


Episódio Nº 99


Na hora exacta da chegada do capitão Justo, vindo da roça, desembarcando da boleia do caminhão a tempo de assistir à troca de sorrisos e palavras gentis; Teó curvada para maior realce dos seios no decote da blusa, Daniel muito bom moço a lhe beijar a mão.

- Olá, capitão.

- Como vai passando cá na terra? – E como Daniel se aproximara e estendia a mão, o capitão baixou a voz para o comentário malicioso: - Vejo que o amigo não perde tempo e já está de bote armado.

Daniel não desmentiu. Com um sorriso cúmplice, tomou do braço do capitão. Os olhos na porta onde Teó mantinha a oferta dos seios, depois nas janelas do primeiro andar para Magda, Amália e Berta, cada uma seu olhar e sua vez. Melhor cobertura não podia haver, solteironas caídas do céu, Deus estava a seu favor. Aliás, a mais moça, não fossem as complicações, bem merecia uns tombos, não era de se jogar no lixo. Mas, com a menina do capitão ao alcance da mão, aquele esplendor, como pensar noutra mulher? Pelo braço de Justino Duarte da Rosa, entrou no armazém.

27

De repente Tereza sentiu o peso dos olhos a fitá-la, levantou a vista, era o moço a conversar com o capitão, muito senhor de si. Por desinteresse e medo, em geral Tereza não se comprazia a trocar olhares com os fregueses. Bem que notava as entradas e saídas de Marcos Lemos, o olho guloso, os sorrisos, a presença diária. Grandalhão e desajeitado, envelhecido para os seus cinquenta anos, Marcos Lemos piscava-lhe o olho, fazia-lhe sinais.

Da primeira vez, Tereza abrira um riso achando graça: tamanho homem, já de cabelos brancos, a pinicar os olhos como um moleque da rua. Passou depois a ignorá-lo, mantendo a vista presa ao caderno onde anotava preços anotados por Pompeu ou Papa-Moscas, por Chico Meia Sola, quando por acaso o cabra de confiança vinha ajudar os caixeiros – Chico cuidava de todos os serviços de rua, do recebimento das mercadorias, chegadas por trem ou no lombo dos burros, carregadores, da cobrança das contas mensais e das atrasadas, raramente atendia ao balcão. Marcos Lemos demorava-se acendendo o cigarro, na esperança de captar um olhar de Tereza, de vê-la rir outra vez; ia-se, por fim, meio cabreiro mas cônscio de estar com lugar assegurado na fila: primeiro nome na lista de Gabi, ninguém se apresentara antes no armazém; quando ela se visse sozinha, posta na rua da amargura pelo capitão, lembrar-se-ia dele. Considerava-se em boa posição.

Ao rumor das gargalhadas, novamente Tereza ergueu a cabeça, o moço tinha os olhos postos nela por cima dos ombros do capitão; curvado, o capitão sacudia a barriga num daqueles incontroláveis frouxos de riso. A mão pousada no balcão, o moço a sorrir: os lábios entreabertos, os olhos de quebranto, os caracóis dos cabelos, a doçura da face, porque o reconhecia Tereza se nunca o encontrara antes? Por que lhe eram familiares o sorriso e a graça? De súbito lembrou-se: o anjo no quadro da Anunciação, na casa da roça, na parede do cubículo, igual, igualzinho, sem tirar nem pôr. Aquela pintura fora a coisa mais bonita vista por Tereza em toda a sua vida; agora via o anjo em pessoa. Ao baixar os olhos sorriu, não foi por querer. (clik na imagem e aumente)

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