sábado, junho 25, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA



Episódio Nº 136



Maior de setenta e sete anos, de limitado diagnóstico e limitado receituário, doutor Evaldo Mascarenhas arrastava-se nas visitas aos doentes, meio surdo quase cego, completamente caduco, no dizer do farmacêutico. Quando a bexiga desembarcou do trem da Leste, o velho clínico não se surpreendeu: vivendo em Buquim há cinquenta anos, ouvira por mais de uma vez da boca das autoridades governamentais a notícia da erradicação da varíola, e de cada vez ele a via de volta, de braço dado com a morte.

Mocinho moderno, formado há ano e meio, doutor Oto Espinheira não conseguira ainda obter a confiança dos habitantes de Buquim devido à idade (não tendo chegado aos trinta anos, aparentava vinte, barba rala, cara de menino, face de boneco) e ao facto de ser solteiro e manter rapariga, considerados tais requisitos qualidades para os advogados, defeitos para os médicos: é fácil descobrir-se as sábias razões.

Não se preocupava ele, no entanto, com a ausência de clientela. De família abonada e prestigiosa, nomeado médico da saúde pública estadual mal saído da Faculdade, estagiando em Buquim por seis meses – nem um dia mais! – o tempo de fazer jus a uma promoção, a clínica não o seduzia, acalentando desígnios mais altos do que os de médico de roça: tentar a política, eleger-se deputado federal e, cavalgando o mandato, tocar-se para o sul, onde se vive vida regalada, enquanto em Sergipe se vegeta, conforme a opinião de experientes boas-vidas, idóneos doutores ou simples malandros.

Ao tomar conhecimento dos primeiros casos fatais de bexiga na cidade caiu em pânico: acreditara nos discursos comemorativos e do combate e tratamento à varíola vagamente recordava algumas prelecções de professores na Faculdade, muito vagamente. Em compensação tinha santo horror às moléstias em geral e à bexiga em particular, doença pavorosa, quando não mata desfigura. Imaginou-se de rosto comido, aquele rosto moreno, redondo e galante de boneco, factor essencial de sucesso junto às mulheres. Nunca mais pegaria nenhuma que valesse a pena.

Nos anos de académico na Bahia, adquirira o hábito das raparigas bonitas. Assim, quando Tereza Batista, de regresso da acidentada excursão artística a Alagoas e Pernambuco, reapareceu em Aracajú (onde Oto se encontrava, fugindo por uns dias de Buquim, a pretexto de discutir problemas locais de saúde pública com os chefes e directores), escoteira e disponível, ele a conhecera e fretara. Eneida, importada da Bahia, divertida companheira de passados folguedos, não suportara por mais de vinte dias a calmaria sertaneja.

Tereza andava um bocado por baixo, cabreira, em nada encontrando consolo e satisfação. Nem a mudança de ares, a visão de novas terras, de cidades desconhecidas, igrejas de Penedo, praias de Maceió, feira de Caruaru, pontes de Recife, nem os aplausos à Rainha do Samba, corações rendidos, suspiros apaixonados, propostas e declarações, foram remédio para seus males. Tampouco algumas encrencas com aquela mania de implicar com as injustiças, metendo-se onde não era chamada no desejo de concertar os tortos alheios – não consertando sequer os próprios, dor aguda no peito, ai.

Era mulherzinha enxerida nasceu para padre ou autoridade, para azucrinar o juízo do próximo, dissera em Alagoas o arruaceiro Marito Farinha quando, vendo-se inesperadamente sem a
peixeira, entregou os pontos e o dinheiro à lamurienta Albertina para as despesas do parto. (clik na imagem e aumente)

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