sexta-feira, junho 24, 2011

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA





Episódio Nº 135



Afora a feitura da cara picada, de um nariz roído, um lábio deformado, a bexiga branca gosta de comer a luz dos olhos, de cegar; também serve para matar meninos ajudando a disenteria em sua função saneadora. Bexiga boba, pouco mais perigosa que sarampo e catapora, dessa vez não fora ela, essa bexiga acanhada e leviana a chegar das margens do rio de São Francisco no trem da Leste Brasileira – fora a bexiga negra, viera para matar.

Sem perda de tempo pôs-se a recém-chegada a trabalhar. Com acção intensa no centro de Buquim deu início ao cumprimento do programa traçado a partir da casa do prefeito e da paróquia onde viviam o padre e a família do sacristão, a legalmente constituída. Tinha pressa, a maldita, trouxera plano ambicioso: liquidar a população da cidade e das roças, inteirinha, sem deixar vivente para trovar o acontecido. No fim de alguns dias constataram-se os primeiros resultados: velórios, enterros, caixões de defunto, choro e luto.

Uma coceira no corpo logo coalhada de borbulhas, em seguida aberto em chagas, febre alta, delírio, o pus se alastrando, cobrindo os olhos, adeus cores do mundo; tudo acabado e pronto para o esquife no fim da semana, tempo suficiente para tempo e reza. Depois, reduzidos os prazos, não houve mais tempo para choro e reza.

Rápida e feroz, do centro se espalhou, a bexiga por todo o burgo, chegando no sábado a Muricapeba, arruado nas aforas da cidade onde vivem os mais pobres dos pobres, inclusivé as poucas rameiras de profissão definida, localizadas na Rua do Cancro Mole. Em Buquim, cidade pequena e atrasada, de limitados recursos, apenas uma meia dúzia de mulheres-da-vida se dedica exclusivamente ao ofício, habitando na zona; as demais acumulam trabalhos de cama com os de cozinha e lavagem de roupa, sem contar galante cozinheira e uma professora primária, loira e de óculos vindas ambas de Aracajú e ambas caras, fora do alcance da maioria, reservadas aos notáveis.

Favorável terreno, o pântano de lama, a fedentina, o lixo, em Muricapeba a bexiga engordou, cresceu, fortalecendo-se para a peleja recém-iniciada. Cachorros e crianças revolviam montanhas de lixo em busca de comida, restos das mesas do centro da cidade. Urubus sobrevoavam as casa de barro batido onde velhas sem idade catavam piolhos no mormaço da tarde, divertimento excitante e único; com o vento a catinga se elevava no ar, pestilenta. Para a bexiga um lar em festa.

Silenciaram no arruado as modinhas e os sons de harmónica e violão. Como sucedeu no centro, nas ruas dos apatacados, também em Muricapeba os primeiros defuntos ainda foram enterrados no cemitério. Depois, foi o que se viu.

F

Fora do macumbeiro Agnelo, com terreiro de santo em Muricapeba, e da curandeira Arduina, ambos de vasta clientela e larga fama, cuidavam da saúde da população no município de Buquim dois médicos, doutor Evaldo de Mascarenhas e o doutor Oto Espinheira, Juraci, enfermeira sem diploma, desterrada de Aracajú, ansiosa para voltar, Maximiano Silva, ou Maxi das Negras, misto de enfermeiro, vigia e moço de recados do posto de saúde, e o farmacêutico Camilo Tesoura, tesoura afiada, também ele de assinalada competência clínica, examinando roceiros, receitando remédios e determinando a vida alheia no balcão da Farmácia Piedade. (clik na imagem e aumente)

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