segunda-feira, junho 06, 2011

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA

Episódio Nº 119

38

Naquela noite inumerável, sem princípio nem fim, de encontro e despedida, de sucessivas auroras, Tereza, condenada à morte, escapou da forca galopando em cavalo de fogo.

Ele dormia, ela velava-lhe o sono, anjo do céu; mas quisera estar em seus braços mais uma vez, senti-lo ainda contra o seu peito antes do adeus final. Toca-lhe a face, a medo. Os anjos baixam à terra para cumprir missão assinalada, em seguida retornam para renderem contas a Deus, segundo dona Brígida, que entende de anjos e demónios. Tereza quisera morrer em seus braços celestes; morrerá sozinha, na forca, pendurada na porta, a língua de fora.

Ao tenteio inseguro da mão da menina, Daniel acorda e a vê triste: porque triste, querida, não foi bom, não gostou? Triste?

Não, não está triste, está alegre da vida, alegre da morte, noite sem igual de ventura infinita, primeira sem segunda, sem seguinte, sem outra, sem próxima, e antes morrer do que voltar à servidão da palmatória, da bacia com água, da cama de casal, do bafo de Justiniano Duarte da Rosa. Não falta corda no armazém, laço sabe fazer.

Tolona, não diga tolices, porque não haverá outras noites iguais ou ainda melhores? Certamente que sim. Senta-se Daniel, agora é Tereza quem repousa a cabeça em seu colo, tendo contra a nuca o pássaro tépido e o novelo de cócegas. Descansa e escuta, querida: as mãos do anjo cobrem-lhe os seios, oprimindo-os docemente, a voz divina apaga a tristeza, rasga horizontes, salva da forca a condenada Tereza. Não tem ela conhecimento da anunciada viagem do capitão à Bahia, de data prevista? Viagem de negócios e de prazer, convite do governador para a festa do Dois de Julho – o idiota não sabe que a festa é pública, as portas do palácio abertas ao povo na hora da recepção, sendo o convite impresso pura formalidade, útil apenas para o tal sujeito da polícia fazer média junto ao tabacudo de Cajazeiras do Norte, metido a bamba e a sabido, um bobo alegre – audiências no Fórum, visitas a secretários de Estado e aos fornecedores do armazém, carta de apresentação para Rosália Varela, cantora de tangos no Tabaris, especialista em boquilha, mestre do buché árabe: um dia querida, lhe ensino, gostosura sem par, quando o capitão estiver na Bahia e as noites forem todas de festa.

O importante é ter paciência, suportar por mais uns dias as exigências, a grosseria do capitão, fazendo-se dócil como antes, nada demonstrando. Mas concerteza ele vai tomá-la na cama, e isso não, nunca mais! Porquê? Não tem importância nenhuma desde que Tereza não participe, se mantenha ausente como sempre o fez, não compartilhe, não se associe, não goze nos braços dele. Nos braços do capitão Tereza se afoga em nojo, acredite. Então? É sujeitar-se como antes; agora será muito mais fácil, pois suportará o brutamontes para se vingar de tudo quanto ele a fez sofrer: vamos lhe pôr os cornos mais frondosos da comarca, vamos ornar o capitão com chifres de general.

Disse-lhe com devia se comportar, tinha experiência e lábia. Ele próprio, por mais que lhe custasse, no dia seguinte iria a casa das irmãs Morais, comer canjica, beber licor, gastar gentilezas, uma chatice, necessária porém.

O capitão convencera-se de que Daniel rondava uma das irmãs, a mais moça. Devido a esse pequeno embuste, pudera estar constante no armazém, vendo Tereza sem causar suspeitas
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