quarta-feira, julho 13, 2011

TEREZA



BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA


Episódio Nº 151


Não soube apenas lavar variolosos, passando permanganato e álcool canforado nas borbulhas, aplicar vacina; soube convencer os mais recalcitrantes, temerosos de pegar a doença no acto da inoculação. Realmente, podia acontecer, e por mais de uma vez acontecera quando aplicada a vacina a pessoa predisposta, provocar reacção violenta, febre e pereba, borbulhas, surto benigno da enfermidade, tímida varicela.

Maxi impaciente, queria resolver à bruta, vacinar na raça, criando conflitos, dificultando a execução da tarefa. Paciente e risonha, Tereza explicava, exibindo as cicatrizes das próprias vacinas no braço moreno, inoculando-se novamente para demonstrar a ausência de qualquer perigo. Ia tudo muito bem, populares vinham colocar-se frente ao posto à espera dos vacinadores quando o estoque das vacinas terminou. Novo telegrama para Aracaju pedindo urgência na remessa.

Doutor Evaldo, preocupado com o contágio cada dia mais extenso, obtivera no comércio oferta de alguns colchões para o lazarento onde deviam ser instalados aqueles enfermos sem condições de tratamento em casa, os de maior perigo na propagação do vírus. Antes, porém de se colocarem os colchões fazia-se necessária uma limpeza em regra na rudimentar construção de sopapo escondida no mato, longe da cidade, como se dela tivessem vergonha os habitantes.

Em companhia de Maxi das Negras, cada um carregando creolina e água em latas de querosene, Tereza Batista entrou pelo caminho proibido; o mato crescera e Maxi descansava as latas em terra para abrir com a ajuda de um pedaço de facão, picada por onde atravessarem. Há mais de um ano estava vazio o lazareto.

Os últimos a habitarem-no foram dois leprosos: um casal, quem sabe marido e mulher. Juntos apareciam ao sábado na feira para tirar esmolas, punhados de farinha-de-pau e de feijão, raízes de aipim ou de inhame, batata doce, uns raros níqueis atirados ao chão – cada vez mais comidos pela praga, buracos no lugar da boca e do nariz, cotocos de braços, pés enrolados em aniagem. Morreram certamente juntos ou com pequena diferença de tempo, pois deixaram de comparecer à feira no mesmo sábado.

Como ninguém se interessasse ou se atrevesse a ir ao lazareto recolher os corpos e enterrá-los, os urubus banquetearam-se com os restos, magro banquete, deixando no cimento os ossos, limpos da lepra.

Maxi das Negras olhava com espanto (e com respeito) para a cabocla bonita, manceba do médico, sem necessidade a coagi-la, sem obrigação de nenhuma espécie, as saias arregaçadas, os pés descalços, a lavar o chão de cimento do lazareto, a juntar os ossos dos leprosos, para eles cavando sepultura. Enquanto a funcionária Não-Me-Toques caía fora, abandonando o posto de saúde, indiferente a obrigações e a consequências – demitam-me, não me importa, não vou morrer aqui – a rapariga, sem salário, sem ter porque, ia de casa em casa, incansável, sem horário e sem medo, lavando doentes, passando permanganato nas borbulhas, perfumando-as com espinhos de laranjeira quando cresciam em pústulas cor de vinho, trazendo dos currais bosta de boi para queimá-la no interior das residências.

Ele próprio, Maximiano, habituado à miséria do sertão, perito nas mazelas e desgraças do povo, curtido e calejado, sem parentes nem aderentes, dono de sua vida e de sua morte, e para aquele emprego contratado, mal pago, porém pago cada fim de mês, ainda assim, por mais de uma ocasião naqueles dias, pensara em largar tudo e, igual à enfermeira Juraci, proclamar a independência: pernas para que te quero? (clik na imagem e aumente)

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