terça-feira, julho 12, 2011

TEREZA


BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA





Episódio Nº 150




Depois chega o momento quando não há sequer tempo e vontade para enterro e cemitério e os finados se contentam com covas rasas na lama dos caminhos, onde for mais fácil.

Quando se está envolto em peste e medo, muito já se faz queimando bosta, lavando pus, furando as borbulhas uma a uma, rezando a deus. Como ainda cuidar de sentinela, me diga, camarada?

R

Rogério Caldas, o prefeito Papa-Vacinas – o apodo adquire arrepiante conotação, com bexiga solta na cidade e a falta de vacinas – foi sepultado numa tarde clara de domingo.

Devido às circunstâncias, Buquim perdeu ocasião de enterro grandioso com banda de música, cortejo soberbo, os alunos do Grupo escolar, os soldados do posto da Polícia Militar, os membros da Confraria e os da Loja Maçónica, as demais personalidades, discursos eloquentes realçando as virtudes do falecido. Não é todos os dias que se tem a chance de levar ao cemitério Prefeito morto em pleno exercício do cargo. Magro acompanhamento, breves palavras do Presidente da Câmara Municipal – “sacrificado ao dever cívico”, afirmou ele, referindo-se ao pungente fim do astuto administrador, nos últimos dias verdadeiramente desagradável à vista e ao olfacto, pois carreiras de apostemas se uniam pustulentas ao longo do seu corpo em grandes chagas infectas, formando a chamada bexiga de canudo, a bexiga negra na hora de matar.

Para o povo, porém, a bexiga de canudo era uma espécie ainda mais virulenta de varíola, a mais terrível, dita a mãe da bexiga, de todas as outras, da negra, da branca, do alastrim, da varicela. Na certa, na opinião do Presidente da Câmara Municipal, o falecido prefeito, no cumprimento do dever cívico, experimentara a bexiga para constatar-lhe a boa qualidade, certificando-se, antes de entregar a seus cuidados a população do município, tratar-se de varíola de primeira classe, varíola major, bexiga negra de canudo, a mãe de todas.

Doutor Evaldo de Mascarenhas foi o último a merecer, dias depois, acompanhamento e lamentações. Octogenário, surdo, quase cego, meio caduco, arrastando-se pelas ruas, não se traçou em casa, não se foi embora. Enquanto o coração se manteve cuidou dos seus doentes e de todos os outros de que lhe deram notícia – Havia bexiguentos escondidos, com receio do lazareto – sem medir forças, as últimas forças do organismo gasto; fez quanto pôde, muito não se pode contra a peste. Foi ele que tomou Providências para preparar o lazareto e quem executou tais providências foi Tereza Batista, braço direito do doutor naqueles trabalhosos dias antes do cansado coração do velho rebentar.

Teve tempo apenas de mandar por Tereza um recado para o colega Oto Espinheira, director do posto de saúde: ou chegam mais vacinas com urgência ou morre todo o mundo de bexiga. Em seguida faltou pela primeira vez aos seus doentes.

S

Sendo de ofício artista de cabaré, amásia, mulher-dama, acidentalmente professora de crianças e de adultos, para as polícias de três estados da Federação, profissional de brigas e arruaças, desordeira, Tereza Batista em poucos dias fez curso completo de enfermagem com o doutor Evaldo de Mascarenhas e com Maxi das Negras, pois era criatura de fácil aprender – já o dizia dona Mercedes Lima, sua mestra de primeiras letras.

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