segunda-feira, julho 11, 2011

TEREZA


BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA


Episódio Nº 149

Tereza ouve atenta e em silêncio. Grave a atenta. Sabe que ele está com medo, morto de medo, esperando apenas uma insinuação para seguir o exemplo da enfermeira. Se ela lhe disser vamos daqui, porque morrer tão jovens, meu amor? O doutorzinho terá o pretexto para a fuga: eu te arrastei comigo, vou-te levar embora, temos nosso amor a defender. Nem amor, nem amizade, nem prazer de cama.

Andando de um lado para outro, doutor Oto Espinheira cada vez mais nervoso e agoniado.:

- Sabe o que ela disse, a filha-da-puta, quando eu a recriminei o abandono da vacinação? Que eu recrutasse você, imagine…

A voz firme e quase alegre de Tereza:

- Pois eu vou…

- O quê? Você, o quê?

- Vou sair vacinando. Basta que o rapaz me ensine.

- Está maluca. Não vou deixar.

- Não lhe perguntei se você vai deixar ou não. Não está precisando de gente?

Da Matriz as beatas viram-na passar, em companhia de Maxi das Negras, com o material de vacinação. Ergueram as cabeças para melhor espiar sem contudo interromper a litania. As orações mal alcançam o teto da igreja, não atingem os céus e os ouvidos de Deus, não possuem as velhas devotas de Buquim tanta força no peito para o clamor de desespero. Para onde irá a comborça do doutorzinho com apetrechos do posto?

Na hora do enterro da esposa, a legítima, do sacristão, ouvem-se os sinos a badalar. Mais forte, seu vigário: mande reboar com violência, toque a rebate os dois sinos de uma vez, para anunciar às autoridades e a Deus a praga da bexiga negra devastando a cidade de Buquim. Com toda a força, seu vigário, toque os sinos.

Q

Quem pode honrar os mortos com decência, me diga, camarada, quando se está no susto de morrer também, examinando as mãos a cada instante, o rosto nos espelhos a ver se já chegou o fatal anúncio das primeiras bolhas?

Velório exige calma, dedicação, ordem e defunto apresentável. Organizar sentinela animada e cuidadosa, à altura de pessoa inesquecível, não é tarefa a ser tratada e posta em pé no assombro da bexiga e com o defunto podre.

No começo de uma epidemia ainda é possível convidar amigos, fazer comida, abrir garrafas de cachaça. Mas no correr do contágio e dos enterros não dá mais jeito, faltando tempo e animação, a necessária graça na conversa, não se ouvem palavras de elogio ao morto; entregues ao desânimo os parentes sem forças para aquelas recordadas sentinelas de prosa alta, de choro e riso soltos, mesmo em casas pobres, porque nas horas decisivas faz-se um esforço, reúne-se um cobrinho para honrar quem faltou e lhe provar dedicação e estima. Com epidemia, e ainda por cima de bexiga, é impossível.

Cadê gente e dinheiro para velório a granel, a dois e três na mesma rua em cada noite? Nem se pode guardar horas a fio a podridão dos cadáveres portas adentro, é preciso se livrar correndo do corpo infectado por ser essa a pior ocasião de contágio.
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