segunda-feira, julho 18, 2011

TEREZA


BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA





Episódio Nº 155





V

Viu o povo de Buquim coisas de assombrar naqueles dias de bexiga negra. Viu o director do posto de saúde, jovem doutor de Faculdade, fugir em tão desabalada fuga a ponto de tomar o trem errado, fazendo o trajecto para Aracaju via Bahia, pela bexiga expulso da cidade. A correria do fujão, descrita em detalhes pelo farmacêutico na noticiosa porta da botica, causou risos no meio do choro pelos mortos. Onde vai assim com tanta pressa, o doutorzinho? Vou a Aracaju pelas vacinas. Mas esse trem não vai, ele vem de Aracaju, vai para a Bahia. Me serve qualquer trem, qualquer caminho, o tempo urge. Mas as vacinas eu as trouxe, estão aqui comigo, estoque suficiente para vacinar de cabo a rabo o estado de Sergipe e ainda sobra. Pois que lhe façam bom proveito, fique também com os eleitores de Buquim e, se tem dinheiro e competência, com a rapariga, é de chupeta.

Viu o povo de Buquim coisas de assombrar naqueles dias da bexiga-de-canudo. Viu as putas de Muricapeba, singular e diminuto batalhão, sob o comando de Tereza Batista, espalhando-se pela cidade e pelas roças a aplicar vacinas.

Boa Bunda, de colossal traseiro; a magra Maricota para apreciadores do género esqueleto, muito em moda; Mão de Fada, nos tempos de donzela assim apelidada pelos namorados, até que um deles foi para além da mão e lhe fez a caridade. Bolo Fofo, balofa, gordalhona, para os apreciadores do género jaca-mole ou colchão de carnes, há quem goste; a velha Gregória, com cinquenta anos de labuta, contemporânea do doutor Evaldo, pois chegaram os dois a Buquim na mesma data; a menina Cabrita, com catorze anos de idade e dois de ofício, um riso arisco.

Quando Tereza as convidou, a velha disse não, quem é doida de se meter no meio da bexiga? Mas Cabrita disse sim, eu vou. Foi braba a discussão, além da vida que tinham elas a perder? E a vida de uma puta de sertão, morta de fome, que merda vale? Nem a bexiga quer vida tão barata, até a morte a enjeita. Gregória ainda não está farta de miséria? Foram as seis e aprenderam com Tereza, Maxi e com o farmacêutico a vacinar, rápido aprenderam – para quem trabalha de rameira nada é difícil, acreditem.

Recolheram bosta seca nos currais, lavaram a roupa empesteada, lavaram enfermos com permanganato, furaram pústulas, cavaram covas, enterraram gente. As putas, elas sozinhas.

Viu o povo de Buquim coisas de assombrar naqueles dias da bexiga-mãe. Viu os bexiguentos andar nas estradas e nas ruas, postos fora das fazendas, buscando o lazareto, morrendo nos caminhos. Viu o povo fugindo, abandonando as casas no medo do contágio, sem rumo, sem destino – quase deserto ficou o arruado de Muricapeba. Dois fugitivos foram pedir pouso no sítio de Clodô, este os recebeu de clavinote em punho, caiam fora, vão para os Infernos. Insistiram, choveu bala, um morreu logo, o outro penou, não sabia Clodô já estar contaminado; ele, a mulher, dois filhos e mais um de criação, não sobrou nenhum, todos no papo da bexiga.

Viu por fim o povo, num assombro a citada Tereza Batista levantar na rua um bexiguento, com a ajuda de Gregória e de Cabrita metê-lo num saco de estopa e pô-lo ao ombro. Era Zacarias, mas nem a velha nem a menina reconheceu o frustrado freguês da outra noite – expulsos da propriedade do coronel Simão Lamego, ele e mais três variolosos.

Não queria o coronel contaminação em terras suas, fossem morrer na puta que os pariu e não ali ameaçando os demais trabalhadores e membros da família ilustre. (clik na imagem e aumente)

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