quarta-feira, julho 20, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA


Episódio Nº 157




Das redondezas, das fazendas e dos estábulos, traziam montes de bosta de boi, punham no sol a secar. Distribuída depois pelas casas onde padeciam bexigosos, queimada na sala e nos quartos, a fumaça se espalhava limpando dos miasmas da varíola o pestilento ar. Naquela hora extrema, bosta de boi era perfume e medicina.

X

Xale na cabeça, rosas negras e vermelhas, oferta do doutor Emiliano Guedes num remoto tempo de paz, de casa limpa, vida alegre e mansa, lá se vai Tereza Batista pelos becos de Muricapeba. Vive num casebre com Mão de Fada, na vizinhança das demais, na zona mais pobre e infeliz do mundo, no mais sórdido puteiro. Mas na ocasião nenhuma delas exerceu o ofício – não por vaidade ou abastança nem porque tivessem fechado o balaio para pagar promessa; simplesmente os homens têm receio de tocar em tais mulheres. São elas poços de bexiga tão repletos a ponto de poderem atravessar a epidemia incólumes ao contágio apesar de enfrentá-lo em permanência, nas casas dos doentes, no horror do lazareto, no contacto com as chagas pustulentas, na recolha dos mortos, nos enterros.

Quantas sepulturas abriram essas mulheres, raramente ajudadas por algum trabalhador da terra, solidário? Na espantosa peleja, a bexiga matou com tamanha rapidez e eficiência que não houve tempo nem maneira de levar tanto defunto ao cemitério.

Para os mais despossuídos as putas cavaram covas rasas e elas próprias enterravam os corpos. Em certos casos os urubus apareceram antes e só deixaram os ossos para o funeral.

Duas contraíram a varicela, nenhuma a bexiga negra, pois Tereza as vacinara no início das operações. Com surto forte, porém não mortal. Bolo Fofo teve que ser recolhida a casa do doutorzinho, agora repleta de doentes, lazareto de luxo, na classificação sarcástica do boticário.

Tereza vinha pela manhã e pela e pela tarde cuidar da gorduchona – reduzida a pele e ossos, a carne virou pus – e de Maxi. Também Boa Bunda apareceu febril, brotejas pelo corpo, erupção fraca, coisa à toa, nem a reteve ao leito, prosseguindo a rapariga de pé a cuidar da gente de Muricapeba, onde a safra de defuntos bateu o record da cidade. Boa Bunda era uma potência de força e energia, sem igual no manejo da pá para abrir covas.

Nenhuma delas morreu, ficaram todas para contar a história, mas tiveram de ir-se de Buquim ganhar a vida noutras zonas pois ali terminara a freguesia, não havendo clientela para quem continha dentro de si tanta bexiga. Tornaram-se imundas além de prosseguirem putas. Andam por aí, no mundo.

Também Tereza Batista se mudou de Buquim ao término da epidemia, mas não por lhe faltarem propostas, muito ao contrário.

Vendo-a atravessar o centro da cidade, o xale na cabeça, sempre ocupada com medicamentos e apetrechos, permanganato, picareta, sacos de estopa, doentes e defuntos, o virtuoso Presidente da Câmara Municipal, no cargo de prefeito até às próximas eleições, dono de fazenda, loja e eleitores, com dinheiro a juros em mãos seguras, até então chefe impoluto de família única, esposa e cinco filhos, tocado por tanta graça e formosura desperdiçadas em serviço torpe, se dispôs a seguir o exemplo de muita gente boa e estabelecer manceba, casa militar, pois além de tudo um perfeito necessita de representação, automóvel, talão de cheques e concubina. (clik na imagem e aumente)


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