sexta-feira, setembro 02, 2011

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA





(Episódio Nº 195)


20

Na porta do jardim, o padre Vinícius encontra-se com João Nascimento Filho, trocaram um aperto de mão e frases feitas: “que coisa, o nosso amigo ainda anteontem tão bem”, “assim é a vida, ninguém sabe o dia de amanhã”, “só Deus que tudo sabe!” Mestre João some na rua ainda escura. O padre entra no jardim, com ele o sacristão, velhote magricela e torvo, a conduzir objectos de culto. O médico vem ao encontro do reverendo:

- Finalmente chegou, padre, eu já estava nervoso.

- Acordar Clerêncio não é sopa e depois ainda tive de passar na igreja.

Clerêncio safa-se para o interior da casa, dá-se com Nina há muitos anos. Do pomar chegam ruídos nocturnos, grilos, sapos a coaxar, o pio de uma coruja. As estrelas empalidecem, a noite avança, não tardarão os primeiros sinais da madrugada. Padre Vinícius demora-se no jardim conversando com o médico, a tirar a notícia a limpo, ouvida ainda no sono quando doutor Amarílio lhe avisara do acontecido, querendo agora a confirmação:

- Em cima dela?

- Pois foi…

- Em pecado mortal, Senhor Deus!

- Se no caso há pecado, padre, dele somos todos cúmplices, pois participámos da vida do casal, convivemos…

- Não digo menos, caro doutor, mas que se há-de fazer?

Só Deus Todo-Poderoso tem o direito de julgar e perdoar.

- Padre, eu penso que se o doutor for para o inferno, será por outros pecados, não por esse…

Entram juntos na sala de jantar, onde o sacristão se regala com os cochichos de Nina. No quarto, sentada numa cadeira ao lado do leito, Tereza absorta. Ao perceber os passos, volta a cabeça. Padre Vinícius fala:

- Pêsames, Tereza, quem havia de pensar? Mas nossa vida está nas mãos de Deus. Que ele tenha piedade do doutor e de nós.

Ah! tudo menos piedade, padre: o doutor, se o ouvisse, ficaria ofendido, tinha horror à piedade.

Padre Vinícius sente-se triste deveras. Gostava do doutor, cidadão poderoso mas culto e amável, com a morte dele terminavam-se os únicos serões civilizados da freguesia, a cavaqueira alegre, os debates animados, os vinhos de qualidade, importados, a boa convivência. Talvez continuasse a ir à usina celebrar a missa na festa de Sant’Ana, baptizar meninos e casar o povo, mas sem o doutor não teria a mesma animação. Gosta também de Tereza, discreta e inteligente, merecedora de melhor sorte, em que mãos irá parar agora? Não faltarão urubus a corvejá-la, candidatos à cama vazia. Alguns com dinheiro e empáfia, mas nenhum se compara ao doutor. Se ela ficar por ali, vai passar de um para outro, degradada nas mãos de meia dúzia de graúdos tão-somente ricos. Quem sabe se viajasse para o sul, onde ninguém a conhece, assim bonita e agradável, poderia até casar. E porque não? A sorte de cada um está na mão do Todo-Poderoso. A do doutor fora morrer ali, em cima da amásia, em pecado mortal; piedade, Senhor, para ele e
para ela. (clik na imagem e aumente)

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