TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 201
Apesar da cortesia e do conforto, da atenção constante e da afeição crescente, aquele começo teve muros e grades de prisão. Não tanto devido às limitações impostos pelo recato de Tereza e o comedimento do doutor; os muros erguiam-se dentro deles. Tereza confusa, retida, temerosa, revelando na maneira de agir o peso das heranças do passado próximo. O doutor enxergando na menina as matérias primas necessárias, beleza, inteligência, carácter, aquela flama nos olhos negros, à formação de amásia ideal; diamante bruto a ser lapidado, criança a ser transformada em mulher.
Disposto a gastar com ela tempo, dinheiro e paciência, apaixonante diversão, mas não sentindo ainda por Tereza nada além de prazenteiro interesse e de desejo – um desejo intenso, incontrolável, sem medida, desejo de velho por menina. Tempo de prova, de sementeira, com muros e grades, difícil percurso.
Que tempo? Aquele em que os sentimentos brotaram e o riso desabrochou? Quando a volúpia somou-se à ternura, quando as provas terminaram e o doutor a reconheceu mulher direita, digna de confiança e estima, não somente de interesse, quando as dúvidas de Tereza deixaram de existir e ela se deu sem reservas de corpo e alma, vendo no doutor um deus, por isso mesmo posta a seus pés, sua amante mas não sua igual.
Tempo de prudência e descrição. Saíam juntos mas somente à noite, após o jantar, trilhando caminhos de pouco trânsito; recebiam em casa apenas o doutor Amarílio e João Nascimento Filho, além de Lulu Santos, o primeiro amigo.
Já se foram aqueles tempos, sim, um outro começou no dia de cinzas, dia de morte; não, porém, de solidão. Naquele dia ou tudo se acabava de uma vez ou o amor latente irromperia, triunfante. Construído com todos os sentimentos anteriores amalgamados, transformando-se na única coisa válida, definitiva.
O doutor passou a vir a Estância com redobrada frequência, ampliando as estadas no chalé, por fim a morada onde ele mais permanecia. Nela recebendo não só os amigos, em jantares, almoços e serões, mas também a visita dos notáveis da cidade: juiz, perfeito, pároco, promotor e delegado. Chamando a Estância prepostos do Banco Interestadual, da Eximportex S. A., para discutir negócios, despachar assuntos.
Tereza deixara de ser a chucra menina do sertão, retirada da cadeia e do prostíbulo, corpo e coração marcados a ferro e fogo. As marcas foram desaparecendo, no trato do doutor ela cresceu em formosura, em elegância, em graça, em mulher no esplendor da juventude.
Antes solitária, fez-se risonha e comunicativa; era trancada, abriu-se em alegria.
Tempo do amor, quando se tornaram indispensáveis um ao outro. Amor de um deus, de um cavaleiro andante, de um ser sobre humano, de um senhor e de uma menina do campo, moleca de roça por elevada à condição de amásia, de moça com um verniz de finura e educação, mas amor profundo e terno, desbragado de desejo.
Para Emiliano cada despedida mais difícil; para Tereza mais longos de passar os dias de espera. Alguns meses antes da morte do doutor, um dos chefões do Banco resumiu a situação para outros colegas de directoria, amigos de confiança:
- Pelo jeito que as coisas vão, em breve a matriz do Banco se mudará da Bahia para Estância. (clik na imagem e aumente)
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