quarta-feira, setembro 21, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA


Episódio Nº 211




Levantou-se Tereza para ir ao quarto em busca do vestido. Temendo uma recusa, a costureira nem pediu licença para acompanhá-la, foi-lhe no rasto, a curiosidade explodindo em exclamações quando Tereza abriu as portas dos guarda-roupas antigos. Que coisa! Oh! Deus do Céu! Enxoval assim não há em Estância! Quis ver tudo de perto, tocar as fazendas, examinar os forros e as costuras, ler as etiquetas das lojas da Bahia. Num dos dois armários, alguns ternos de homem; Fausta Larreta desviou os olhos pudicos, retornando aos trajes de Tereza:

- Ah! Esse tailler é uma gracinha. Quando eu contar às minhas freguesas vão desmaiar de inveja…

Enquanto Tereza prepara o embrulho, a excitada costureira despeja o saco. Algumas senhoras mordiam-se de inveja ao ver passar Tereza ao lado do doutor, naqueles luxos e dengues; desatavam a língua de trapo, umas enxeridas.

Outras, porém, dona Leda por exemplo, celebravam-lhe os vestidos e os modos, com simpatia, por achá-la, não apenas linda e elegante, mas igualmente educada e discreta. A própria dona Clemência Nogueira, noventa quilos de carolice e realeza, a elogiara, parece mentira. Numa roda de emproadas senhoras, metidas a muito melindrosas no que respeita à moral pública, manifestara-se alto e bom som sobre a discutida personalidade de Tereza; ela sabe guardar o seu lugar, não força nenhuma porta, acham pouco? Não contente, a ilustre dama, esposa principal da grande fábrica de tecidos, completara, com sabedoria e amplo conhecimento da realidade: em lugar de criticar a rapariga, elas todas deviam-lhe agradecer por se contentar com tão pouco, o banho do rico, os passeios, a companhia do doutor. Sim, porque se ela pedisse aos Guedes para levá-la aos bailes, às cerimónias, para lhe obter postos nas comissões organizadoras das festas de igreja, das solenidades do Natal, do Ano Novo, do mês de Maria, novenas e trezenas, na devoção do Sagrado Coração, na Sociedade das Amigas da Biblioteca, se lhe pedisse para introduzi-la nas casas de família, e ele, com a força de dinheiro, do mando e da paixão de velho, a impusesse, quem seria a primeira figura de Estância? Haveria alguém capaz de se opor a Emiliano Guedes, do Banco Interestadual da Bahia e Sergipe?

Para pegar no bico da chaleira do doutor, não se acotovelavam os notáveis na varanda, no jardim do chalé, inclusivé o padre Vinícius? Se lá não apareciam a todo o dia e a toda a hora, devia-se à reserva do Guedes e da recatada rapariga e não à moralidade dos maridos das nobilíssimas senhoras.

As menos hipócritas chegavam a lastimar os costumes de Estância. Ainda tão monarcos, não permitiam às damas da sociedade manter relações com mulheres amigadas, mancebas de homem casado, Tereza compreende de certo muito bem os motivos das senhoras não a procurarem pessoalmente. Dona Leda, ao enviar Fausta de intermediária, expressava-se de forma categórica:

- Se fosse na Bahia, ia eu mesma, não me importava de me dar com ela. Aqui não pode ser, o atraso não deixa.

Sucederam-se os empréstimos de vestidos, blusas, casaquinhos, camisolas, não só á dona Leda. Também a dona Inês, dona Evelina, a das pintas negras, uma na face, outra no alto da coxa esquerda, dona Roberta, dona Clementina já citada, todas elas fidalgas de escol. Nenhuma delas a cumprimentou jamais na rua, mas dona Leda lhe mandou de presente uma peça de renda de bilros, do Ceará, e dona Clemência lhe fez chegar às mãos pequena estampa colorida de Santa Teresinha do Menino Jesus, delicada atenção, com uma oração impressa no verso e indulgências plenárias. (clik na imagem)

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