domingo, novembro 27, 2011

HOJE É


DOMINGO

Muitos dos meus amigos que me têm acompanhando neste Hoje é Domingo, especialmente em Portugal e também no Brasil, lembram-se dos tempos do regime anterior, ditatorial, da censura e das perseguições políticas. No Brasil, ficou conhecido pelo regime dos coronéis que terminou em 1984 quando, após a eleição do Presidente Tancredo, eles foram caindo todos um a um, por força do voto nas urnas.

Entre nós, esse regime teve um rosto, uma cabeça, um homem: Salazar. Caetano, que lhe seguiu por morte, óptimo professor de Direito, acabou vítima da Revolução dos Cravos e foi morrer exactamente ao Brasil. Faltou-lhe coragem e convicção política para dar um novo rumo ao país.

Quem executava na retaguarda essa política eram os censores, espécie de eminências pardas, fiéis e zeladoras pelo cumprimento do pensamento do chefe e defesa do regime que desabou, em Portugal, com estrondo mas miraculosamente sem tiros, em Abril de 1974.

Na frente, guardas avançadas, estavam os PIDES (Polícia de Investigação e Defesa do Estado) armados de uma autoridade que não conhecia a lei, prepotentes, eles eram a própria lei mesmo quando actuavam contra ela…

Conheci pessoalmente um desses senhores no princípio da década de setenta, em Moçambique, onde desempenhava funções como Delegado da Inspecção de Crédito e Seguros.

Ele era Inspector da PIDE no Distrito tendo uma categoria, como funcionário público, que deveria ser idêntica à minha como Delegado da Inspecção de Crédito e Seguros.

Nas colónias, Províncias Ultramarinas, como eram então oficialmente designadas para disfarçar…estes homens não tinham a carga odiosa dos seus concidadãos como em Portugal continental, chamada de metrópole, porque ali o contexto social era outro.

Ali, o inimigo eram os “terroristas”. Os colonos brancos, quase todos afectos ao regime cuja política defendia intransigentemente a presença deles e os seus interesses em África, não ofereciam perigo.

Os agentes da Pide, e muito mais um senhor inspector, era um aliado, um amigo, pessoa respeitada e considerada cuja presença era indispensável nas recepções sociais de carácter particular onde, de resto, o conheci e me foi apresentado.

Era um homem de físico cheio, bem constituído, que se apresentava com sobranceria mal disfarçada, olhando as pessoas de cima para baixo, arrogante, que ninguém contrariava e cujas opiniões eram ouvidas em silêncio aprovador.

Foi o primeiro e último Pide que me foi dado conhecer no tempo da “outra senhora”.

Tanto eu como ele tínhamos chegado há pouco à cidade da Beira, eu vindo da metrópole, ele de uma província a norte da Beira, e recordo vagamente que da curta conversa havida ficou-me uma sensação de antipatia e, da parte dele, provavelmente, de desconfiança.

Os nossos Serviços cruzavam-se relativamente a dinheiro estrangeiro que fosse apanhado e que tinha de ser entregue na minha Delegação para o fazer chegar ao Banco de Moçambique. A única moeda que podia circular no território eram escudos moçambicanos a que, depreciativamente, chamavam “dinheiro macaco”.

Sendo assim, qualquer pessoa que necessitasse de se deslocar para fora de Moçambique, por negócios, doença ou férias, tinha que se dirigir ao Banco de Moçambique munido de uma Autorização de Transferência que era concedida pelos meus Serviços, nas condições e montantes estipulados pela lei, para trocar os escudos moçambicanos pela divisa estrangeira pretendida.

Relativamente a cidadãos que tivessem familiares a seu cargo nos países de origem, quase sempre portugueses, eram autorizados a transferir mensalmente a favor desses familiares, quantias cujos máximos estavam fixados na Lei.

Os meus Serviços emitiam uma Autorização, renovável a cada seis meses a pedido do interessado, e que posteriormente apresentava no Banco.

Peço desculpa por descer a estes pormenores mas só a partir deles poderei contar a história do Sr. Inspector da Pide. Fá-lo-ei no próximo Hoje é Domingo para não arrastar muito este texto.

Bom Domingo a todos.


(click na imagem do novo Jardim da Liberdade, vendo-se a entrada para para o Parque de estacionamento subterrâneo cujas receitas, juntamente com as do parqueamento à superfície, irão custear as obras de modernização daquela zona central da cidade.)

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