segunda-feira, dezembro 12, 2011

TEREZA


BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA




Episódio Nº 280



Também algumas velhas compareceram à inauguração da Primavera. Por um dia libertas da obrigação da terrível maquilhagem destinada a esconder rugas e pelancas, de luta inglória por um cliente, apenas mulheres idosas e cansadas.

Em desacostumado ócio, as raparigas ocuparam a cidade inteira, uma festa rara. De pés nus, correndo pelas praias, sentadas na grama dos jardins, no zoo paradas diante das jaulas das feras, dos macacos e das aves, em visita à igreja do Bonfim, comprando guias do santo milagreiro.

As que estavam na colina, contemplando o golfo, puderam ver por volta das quinze horas, três navios de guerra atravessando a barra.

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Pouco antes das dezasseis horas, o Senhor governador recebeu no Palácio a visita do comandante-em-chefe dos navios de guerra norte americanos fundeados ao largo. Acompanhado do seu estado-maior, o almirante trocou amabilidades com o chefe do Governo e o convidou a visitar, na manhã seguinte, a nau capitânia e a almoçar com a oficialidade.

Espocaram flashes, os fotógrafos movendo-se de um lado para outro, fixando sorrisos, cortesias. O almirante comunicou que os marinheiros teriam permissão de vir a terra à noite, hora propícia.

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No grande Jornal Falado das dezasseis horas, a Rádio Abaeté, emissora potente e detentora de grande audiência, ofereceu pormenorizada reportagem sobre os navios de guerra norte-americanos surtos no porto. “Informação quente é com a Abaeté”, “A notícia está acontecendo, a Abaeté está divulgando”, “O microfone da Abaeté é o ouvido da História”, repetiam os locutores ao longo dos programas. “Se não há notícia a Abaeté inventa”, glosavam os concorrentes.

Após descrever a visita dos oficiais superiores ao Governador, as frases trocadas, os convites feitos, a rádio deteve-se em detalhes precisos, numerosos e educativos sobre os três navios; nomes, datas de lançamento ao mar, número de oficiais e marinheiros, canhões, potência de tiro, velocidade, carreira de oficiais com postos de comando, dados completos. O documento de documentação e pesquisa esteve mais uma vez à altura das tradições da emissora.

A reportagem concluía informando que os marinheiros baixariam a terra no começo da noite, a hora exacta ainda não tinha sido determinada, provavelmente por volta das oito.

Uma última e curiosa novidade, a ligar-se de certa forma à visita dos marinheiros ianques: em protesto contra a projectada mudança do meretrício, iniciada na véspera com violenta incursão da polícia de costumes na Barroquinha, as mulheres públicas resolveram não exercer enquanto suas companheiras não possam regressar às casas de onde foram expulsas e a ameaça de mudança persista.

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Por volta das dezassete horas, enquanto Bada toma rápida ducha para livrar-se do suor pegajoso da tarde calorenta, o delegado Cotias, o gentleman da polícia, amante feliz e exangue, liga o rádio e descansa o corpo na cadência da música.

Merecido repouso após uma hora de violento exercício: a frágil Bada é um trem de risco, um foguete, fêmea sensacional sobre todos os aspectos.


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