quarta-feira, janeiro 18, 2012

FERREIRA DE CASTRO PREFACIA


JORGE AMADO EM GABRIELA, CRAVO E CANELA




A obra de Jorge Amado chegou cedo a Portugal. E também aqui levantou, em redor da literatura do Brasil, até então conhecida apenas de uma pequeníssima minoria, um entusiasmo imenso.

Também aqui Jorge Amado abriu caminho aos outros romancistas da sua geração e a muitos mais das gerações anteriores e posteriores hoje tão admirados entre nós. Ocorreu então um fenómeno inédito na história literária luso-brasileira: pela primeira vez um escritor do Brasil exercia influência sobre os romancistas de Portugal.

Duas gerações portuguesas, aliás bem dotadas de méritos próprios, deixaram-se contagiar, durante bastante tempo, pelo ritmo da prosa de Jorge Amado, pelo seu lirismo, pela maneira como tratava os problemas da sua obra; deixaram-se mesmo apaixonar por cenários correspondentes aos da sua preferência. A Bahia até aí quase ignorada, passou a ser o estado brasileiro mais conhecido, nas suas dores e nas suas alegrias, na sua vida e nos seus costumes, das novas gerações.

O que Pedro Álvares Cabral, a história das descobertas e o ensino nos liceus não puderam fazer, conseguira-o Jorge Amado com os seus romances. E, nesse tempo ele não tinha ainda 30 anos. Na própria França, a bela terra baiana tornou-se um motivo de fascinação para escritores, poetas e artistas, graças a esse seu filho, que foi até hoje o mais valioso fruto dado até hoje pelos cacauais.

Esta vitória universal da obra de Jorge Amado assenta firmemente num conjunto de qualidades que são tão numerosas como diversas.

Romancista de alma veemente, namorado das estrelas e intérprete da justiça, soube transmitir, com uma arte exultante, quanto há de poesia, de generosidade, de desapego às ambições mesquinhas, no espírito brasileiro, e dar-nos nesse clima, através de uma fina sensibilidade, aliada às exigências de análise, os dramas do povo, as suas ansiedades, as suas lutas vencidas e sempre recomeçadas, as suas mais profundas esperanças – esse lume que acalenta as noites, tão expectantes e tão longas, das grandes causas humanas. Um forte poder de comunicabilidade, uma pequena comunhão, uma densa simpatia que se evola de todas as páginas de todas as situações, mesmo das cenas mais ásperas, completam os méritos de Jorge Amado e subjugam os seus leitores com uma espécie de magia, um feitiço de dupla eficácia, que ora parte da forma para a essência, ora da essência para a forma, como uma seiva aromática que ressumasse do cerne da árvore para a casca. E assim vemos a transmutação da realidade normal para a realidade literária operar-se de tão ciente maneira que as personagens, apesar da atmosfera de poesia em que se agitam e de que elas próprias se embebem, não perdem jamais a sua humanidade.


Com Gabriela Cravo e Canela, Jorge Amado volta de novo ao convívio dos portugueses, à intimidade de um povo que tanto o ama, tão sofregamente o tem lido e há tempo o admira.

Que o admira desde a sua alvorada, muito antes de ele ser como é hoje, uma das primeiras figuras literárias do Brasil e da nossa época, um dos mais qualificados representantes duma literatura tão rica de valores e tão variada de expressões com é actualmente a da sua grande pátria.

Poucos livros existem que tenham recebido nos países de origem, geralmente desconfiados com os grandes êxitos, tão unânimes louvores como este. Em menos de dois anos o Brasil condecorou-o com cinco prémios.

Publicado recentemente (1958), Gabriela Cravo e Canela ocupa já, na literatura brasileira, um lugar definitivo, desses que normalmente só se concedem aos clássicos. Essa antecipação é apenas um acto de justiça como se poderá ver nas páginas a seguir, nestas rútilas páginas que enchem de fulgurância, como a sua arte tão depurada, a maturidade de um grande escritor e alargam, de maneira tão alta, o prestígio literário do Brasil no mundo.

Ferreira de Castro

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