segunda-feira, janeiro 16, 2012

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA



(Episódio Nº 309 e último)




O noivo que ela pensou que estava morto chegou do mar a tempo. Pior seria se chegasse depois. Aí sim, de qualquer jeito era ruim. Encarnava o apaixonado generoso, capaz de sacrificar-se sem um lamento pela felicidade da bem-amada e do rival afortunado.

Já que é assim, vamos festejar – propôs Caymmi o homem do bom conselho.

Almério olhou a sala cheia, gente sobrando pelos corredores, as mesas postas, grandiosas, as garrafas no gelo e o jazz-band. Um sorriso lhe nasceu nos lábios, expulsando da face plácida do ex-noivo a última sombra de desaponto. Heróico e abnegado, elevou a voz para ser ouvido por todos os presentes, a Bahia inteira:

- Não há o casamento mas nem por isso a festa deixa de se realizar. Vamos estourar o champanhe do doutor Nelson!

- Isso, sim, é que é falar direito – aprovou Miguel Santana dirigindo-se para a sala de jantar.

A festa de casamento de Tereza Batista, apesar do casamento não ter acontecido, atravessou a noite animadíssima. Comeram quanto havia, beberam a bebida toda, regabofe como hoje só na Bahia ainda se faz e olhe lá! A não ser para beber um copo de cerveja e beliscar de cada prato um pouco, o jazz não parou de tocar e a dança terminou na rua, de manhã, atrás do Trio Eléctrico. No meio da noite, Almério um tanto alto, e Anália – essa não nasceu para mulher-dama fizeram-se par constante e ela lhe confessou ser doida por criança. Ora já se viu, até parece coisa de romance!


77

Vela enfunada, o saveiro corta o mar da Bahia. A brisa sopra, noite alta, leve sobre o golfo. Tereza Batista respingada de água, sabendo a sal, odor de maresia, os negros cabelos soltos ao vento, ressuscitada, aleluia! Achega-se ao peito de Januário Gereba. Ao leme, mestre Janu pesa as qualidades da embarcação à venda: se for boa de travessia, compro e pago à vista, compadre pôs meu dinheiro no banco a render juros, compadre mais porreta. Que nome vamos lhe dar, me diga? Antes de escolher o nome do saveiro Tereza fala:

- Sabe que eu matei um homem? Era ruim de mais, só merecia a morte, mas até hoje carrego ele nas costas.

Januário guarda o cachimbo de barro:

- Oxente, vamos descarregar ele aqui mesmo, de uma vez para sempre. Era ruim, vai com os cações, raça de peixe desgraçada. Assim, ti fica livre dele.

Sorri na noite escura, em seu sorriso o sol renasce. Um já se foi, porém tem mais, Janu.

- Um homem morreu dentro de mim, na hora mesmo. Não sei se para os outros ele foi bom ou mau, para mim o melhor homem do mundo, marido e pai. Levo a morte dele nas entranhas.

- Se morreu naquela hora, então está no Paraíso, foi directo. Quem morre assim é protegido de Deus. Largue o corpo do justo com as arraias, se livre da morte dele, mas guarde tudo de bom que ele lhe deu.

O mar se abriu e se fechou, Tereza suspira aliviada. Gereba pergunta.

- Tem mais algum? Se tem a gente aproveita e joga no mar. Por aqui perto descarreguei minha falecida.

Tereza lembrou-se daquele que não chegara a ser arrancado do seu ventre antes da hora do nascimento. Pôs a mão sobre a de mestre Januário Gereba, Janu do bem-querer, fazendo-o mover o leme, mudar o rumo do saveiro, dirigindo-o para a pequena enseada entre bambus na margem do golfo, escondido remanso. Estende-se Tereza na popa do saveiro.

- Venha e me faça um filho, Janu.

- Sou bom nisso como quê.

Ali, na barra da manhã, rio e mar.

Fim

Bahia, de Março a Novembro de 1972



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