segunda-feira, janeiro 09, 2012

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA





Episódio Nº 303



Nos ombros de Tereza os mortos pesam, carga ruim. Até agora ela os conduziu sem demonstrar desânimo, sem cair em desespero. Aguentou o peso dessas mortes na cacunda, delas ressuscitando por três vezes. Mas Janu pesa demais, com esse defunto Tereza não aguenta. Januário Gereba, marinheiro, Janu do bem-querer, morri em tua morte, me acabei de vez.

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Para que ir à Companhia de Navegação ouvir do senhor Gonzalo a confirmação da notícia, condolências formais, a mirada de frete a medir-lhe o luto e a formosura. Não fora ele próprio que fornecera a lista de nomes à imprensa? Para cravar mais fundo a lâmina do punhal, perder a derradeira esperança. Ali, na fria antessala da empresa marítima, Tereza ouve pela boca do espanhol a leitura do telegrama anunciando a morte de todos os tripulantes do Balboa, inclusive dos Baianos. Para que viera? Para cravar o punhal mais fundo ainda, se possível. Acabou Tereza Batista.

Na cabeça o xale florado, presente do doutor, usado em horas de alegria e de peleja, agora véu de viúva, trapo de mortalha, os olhos de um negrume opaco, vazios, a boca exangue, lá se vai ela, andando ao léu.

O Xarriô a deposita na Cidade Alta e apenas entra na Praça da Sé depara com Peixe Cação. Ao avistá-la o tira eleva a voz e xinga:

- Puta de merda! Cadela suja!

Queria vê-la reagir para de novo a levar presa e concluir a vingança prelibada. Tereza contenta-se com olhar para o provocador, prossegue seu caminho. Foi quanto bastou: o tira permaneceu paralizado, era o olhar de uma pessoa morta, de um defunto vagando pela rua.

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Maria Clara e mestre Manuel a acolheram no saveiro e a levaram em extensa e vagarosa viagem pelo Recôncavo, Tereza se despedia. Da cidade, do porto, do mar, golfo, do rio Paraguaçu.

Decidira ir embora da Bahia, regressar às terras do sertão onde nascera e se criara. Em Cajazeiras do Norte, Gabi ainda fala no nome da formosa sem igual: volte quando queira, esta é sua casa.

Desejara antes, porém, percorrer os caminhos de Janu, no saveiro Flecha de São Jorge que um dia se chamara Flor das Águas e pertencera a mestre Januário Gereba com algemas nas mãos e grilhetas nos pés. Conhecer os velhos cais descritos por ele em Aracaju, na Ponte do Imperador. Cachoeira, São Félix, Maragogipe, Santo Amaro da Purificação, São Francisco do Conde, as ilhas perdidas, os canais, uma geografia de tristezas.

De que lhe adianta recuperar lembranças, aprender paisagens, escutar o vento se ela não está e não vai chegar?

Mestre Manuel ao leme; a seu lado, na popa do saveiro Maria clara canta modas de Janaína, músicas do mar e da morte, Inaé velejando no sopro da tempestade, Iemenjá cobrindo os cabelos desnastros o corpo do náufrago, verde cabeleira da cor das profundezas.

No desvão da noite, ao morrer do luar, ao nascer da aurora, o saveiro ancorado nas margens do Paraguaçu, as velas arriadas pensando Tereza adormecida, mestre Manuel toma de Maria Clara e os ais do amor aquietam as águas. (click na imagem)

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