terça-feira, fevereiro 14, 2012

GABRIELA
CRAVO
E

CANELA
Episódio Nº 22




Ora, Nacib, não se zangue. Não foi para lhe ofender. É que essas coisas das estranjas prá gente é tudo igual…

Talvez assim o chamassem menos por sua ascendência levantina do que pelos bigodões negros de sultão destronado, a descer-lhe pelos lábios, cujas pontas ele cofiava a conversar. Frondosos bigodes plantados num rosto gordo e bonacheirão, de olhos desmesurados, fazendo-se cúpidos à passagem de mulheres. Boca gulosa, grande e de riso fácil.

Um enorme brasileiro, alto e gordo, cabeça chata e farta cabeleira, ventre demasiadamente crescido, “barriga de nove meses”, como pilheriava o Capitão ao perder uma partida no tabuleiro das damas.

- Na terra de meu pai… - assim começavam as suas histórias nas noites de conversas longas, quando nas mesas do bar ficavam apenas uns poucos amigos.

Porque sua terra era Ilhéus, a cidade alegre ante o mar, as roças de cacau, aquela zona ubérrima onde se fizera homem. Seu pai e seus tios, seguindo o exemplo dos Aschar, vieram primeiro, deixando as famílias. Ele embarcava depois com a mãe e a irmã mais velha, de seis anos.

Nacib não completara os quatro. Lembrava-se vagamente da viagem em 3ª classe, o desembarque na Baía, onde o pai fora esperá-los. Depois a chegada a Ilhéus, a vinda para terra numa canoa, pois naquele tempo nem ponte de desembarque existia. Do que não se recordava mesmo era da Síria, não lhe ficara lembrança da terra natal, tanto se misturara ele à nova pátria e tanto se fizera brasileiro e Ilheense.

Para Nacib era como se houvesse nascido no momento mesmo da chegada do navio à Baía, ao receber o beijo do pai em lágrimas. Aliás, a primeira providência do Mascate Aziz, após chegar a Ilhéus, foi conduzir os filhos a Itabuna, então Tabocas, ao cartório do velho Segismundo para registá-los brasileiros.

Processo rápido de naturalização, que o respeitável tabelião praticava com a perfeita consciência do dever cumprido por uns quantos mil-réis. Não tendo alma de explorador, cobrava barato colocando a operação legal ao alcance de todos, fazendo desses filhos de imigrantes, quando não dos próprios imigrantes vindos trabalhar em nossa terra, autênticos cidadãos brasileiros, vendendo-lhes boas e válidas certidões de nascimento.

Acontece ter sido o antigo cartório incendiado numa daquelas lutas pela conquista da terra para que o fogo devorasse indiscretas medições e escrituras da mata de Sequeiro Grande – isso está contado num livro. Não era culpa de ninguém, portanto, muito menos do velho Segismundo, se os livros de registo e óbitos, todos eles, tinham sido consumidos num incêndio, obrigando a novo registo centenas de Ilheenses (naquele tempo Itabuna ainda era distrito do município de Ilhéus).

Livros de Registo não existiam, mas existiam idóneas testemunhas a afirmar que o pequeno Nacib e a tímida Salma, filhos de Aziz e de Zoraia, haviam nascido no arraial de ferradas e tinham sido anteriormente registados no cartório, antes do incêndio.

Como poderia Segismundo, sem cometer grave descortesia, duvidar da palavra do coronel José Antunes, rico fazendeiro, ou do comerciante Fadel, estabelecido com loja de fazendas, gozando de crédito na praça?

Ou mesmo da palavra mais modesta do sacristão Bonifácio, sempre pronto a aumentar seu parco salário servindo em casos assim como fidedigna testemunha? Ou do perneta Fabiano, corrido de Sequeiro de Espinho e que outro meio de vida não possuía alem de testemunhar?


(Nacib e padre Basílio, pai de 5 fihos da sua governanta, mas que a todos deu o seu nome, e dono de roça de cacau)

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