segunda-feira, fevereiro 20, 2012

GABRIELA

CRAVO

E

CANELA


Episódio nº 27




Lourival, desdenhoso e enfarado, tão superior, tão inglês em sua suficiência, viúvo sem filhos de mulher milionária, casara-se novamente de súbito, numa das suas constantes viagens à Europa, com uma francesa, modelo de uma casa de modas.

Grande diferença de idades separava marido e mulher; Madaleine mal escondia as razões porque casara.

Mundinho sentiu que se não partisse definitivamente nada poderia, nenhuma consideração moral, nenhum escândalo, nenhum remorso possível, impedir que terminassem um nos braços do outro.

Os olhos perseguiam-se pela casa, as mãos tremiam ao tocar-se, as vozes embargadas. Mal podia o desdenhoso e frio Lourival imaginar que o irmão mais moço, o aloucado Mundinho, rompera com tudo por sua causa, por amor ao irmão.

Ihéus o curara, pois estava curado; poderia, quem sabe?, se quisesse, fitar Madaleine, já nada sentia por ela. Com o binóculo, percorre a cidade de Ilhéus, vê o árabe Nacib na sua janela. Sorri porque o dono do bar recorda-lhe o Capitão, eram parceiros habituais da dama e do gamão.

O Capitão ia servir-lhe muito. Tornara-se o seu melhor amigo e há tempos vinha-lhe acenando, em palavras vagas, com a possibilidade de fazer política. Não era segredo na cidade o despeito do Capitão contra os Bastos; seu pai fora por eles derrubado do Governo local, por eles arruinado na luta política, há vinte anos. Mundinho fazia-se desentendido, estava ainda preparando o terreno. A hora era chegada.

Precisava levar o Capitão a falar franco, a lhe oferecer a chefia da oposição. Mostraria aos irmãos de quanto era capaz. Sem contar que Ilhéus precisava de um homem como ele para incrementar o progresso, para imprimir-lhe um ritmo acelerado, aqueles coronéis nem sabiam das necessidades da região.

Mundinho restituía o binóculo, o prático subia para bordo, o navio embicava para a barra.

Da Chegada do Navio

Apesar da hora matinal, uma pequena multidão acompanhava os penosos trabalhos de desencalhe do navio. Pegara fundo na barra, parecia ali ancorado para sempre.

Da ponta do morro do Unhão, os curiosos viam o comandante e o prático afobados, dando ordens, dando ordens, marinheiros correndo, oficiais passando apressados. Pequenos botes, vindo do Pontal rondavam o navio.

Passageiros debruçavam-se na amurada, quase todos de pijama e chinelos, um ou outro vestido para o desembarque. Esses trocavam frases, aos gritos, com os parentes que haviam madrugado para recebê-los no porto, informações sobre a viagem, pilhérias sobre o encalhe. De borda alguém anunciava a uma família em terra.

- Morreu num sofrimento medonho, a pobrezinha!

Notícias que arrancou soluços de uma senhora de preto, de meia-idade, junto a um homem magro e sorumbático com sinais de luto no braço e na lapela do paletó. Duas crianças olhavam o movimento sem se darem conta das lágrimas maternas.

Entre os espectadores formavam-se grupos, trocavam-se cumprimentos, comentava-se o acontecimento:

- É uma vergonha essa barra…

- É um perigo. Um dia destes um navio fica ali para sempre, adeus porto de Ilhéus…
(Click na imagem do porto que não havia quando Mundinho, no seu regresso do Rio, ficou encalhado na barra.)

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