quarta-feira, fevereiro 08, 2012

A Nata da Economia Portuguesa
Ricardo Araújo Pereira


Quando o ministro Álvaro apontou para o pastel de nata, os parvos olharam mesmo para o pastel de nata. Era dos raros casos em que deveriam ter olhado para o dedo. Teriam constatado que se trata do mesmo dedo com que D. João II apontou para a Índia. Um, disse "Oriente" e o outro disse "pastel de nata", mas ambos quiseram dizer "futuro".


Neste momento, é óbvio que a aventura dos Descobrimentos teve, como propósito principal (para não dizer exclusivo), o de ir à Índia buscar a canela que hoje faz falta para polvilhar os pastéis de nata. Entre o Príncipe Perfeito e o Álvaro há apenas uma diferença: o segundo não tem um Camões que verta em decassílabos heróicos a gesta da pastelaria.

Assim como D. João II teve no Infante D. Henrique um antecessor visionário, também o Álvaro se apresenta às cavalitas de um gigante: Paulo Futre. A exportação de pastéis de nata é o equivalente político da importação de chineses - que foi também, note-se, um projecto de crescimento dirigido para Oriente.

Examinemos a ideia do Álvaro com a atenção que merece. Se cada pastel de nata for vendido ao preço competitivo de um euro, e supondo que alguém nos oferece todos os ingredientes, basta que Portugal venda 78 mil milhões de pastéis de nata para pagar a dívida. Sabendo que o mundo conta, neste momento, com 7 mil milhões de potenciais consumidores de pastéis de nata, a venda de 11,1 pastéis a cada habitante resolve-nos o problema. Não chega a dois cartuchos por pessoa, e ainda por cima é por uma boa causa. Se, com os 11,1 pastéis, impingirmos uma bica a cada cliente, ainda nos sobra dinheiro para acabar umas obras que estão paradas por falta de verba na Madeira.

Os críticos que pretenderam reduzir a ideia do Álvaro aos seus aspectos mais folclóricos não perceberam, ou não quiseram perceber, que o projecto não pode ser confinado à exportação dos pastéis, mas deve ser integrado numa estratégia de desenvolvimento global. A produção e venda de 78 mil milhões de pastéis fará de Portugal o maior produtor mundial de colesterol. Um investimento paralelo em medicina cardiovascular poderá projectar internacionalmente a ciência portuguesa e contribuir para manter relações comerciais múltiplas com a estrangeirada lambona, que passa a frequentar-nos tanto a pastelaria como o consultório médico.
Mãos à nata.

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