sábado, março 03, 2012

GABRIELA

CRAVO
E
CANELA





Episódio Nº 38



Perguntara pelo porto, passara em casa do tio; não sabiam por acaso de uma cozinheira? Ouvira a tia lastimar-se. “Tinha uma mais ou menos, não que fosse grande coisa, largara o emprego sem quê nem porquê. Agora era ela, a tia, quem estava cozinhando enquanto não apareça outra. Porque Nacib não vinha almoçar com eles?”

Deram-lhe notícias de uma, formosa, vivendo no morro, vivendo no morro da Conquista. “De mão cheia” dissera-lhe o informante, o espanhol Filipe, hábil no conserto não só de sapatos e botas como de selas a arreios. Falador como só ele, temível adversário no jogo de damas, esse Felipe de língua suja e coração sem fel, representava em Ilhéus a extrema esquerda, declarando-se anarquista a cada passo, ameaçando limpar o mundo de capitalistas e de padres, sendo amigo e comensal de vários fazendeiros, entre os quais o padre Basílio.

Enquanto batia sola, cantava canções anarquistas, e quando jogavam damas, ele e Nhô-Galo, valia a pena ouvir as pragas que rogavam contra os padres. Interessava-se pelo drama culinário de Nacib.

Um tal de Mariazinha. Um portento.

Nacib tocou-se para a Conquista, a ladeira ainda escorregadia das chuvas, um grupo de negrinhas a rir quando ele caiu sujando o fundilho da calça.

De informação em informação, localizou a casa da cozinheira. No alto do morro. Uma casinha de madeira e zinco. Daquela vez ia com certa esperança. Seu Eduardo, dono de vacas leiteiras, confirmara-lhe os predicados de Mariazinha. Trabalhara uns tempos em sua casa, tinha um tempero de fazer gosto.

Seu único defeito era a bebida, cachaceira memorável. Quando bebia pintava o diabo: faltara com o respeito a dona Mariana, por isso Eduardo a despedira.

- Mas para casa de homem solteiro como você…

Bêbeda ou não, se ela era boa cozinheira, ele a contrataria. Pelo menos enquanto não encontrasse outra. Finalmente divisou a casinhota miserável e, sentada à porta, Mariazinha, os pés descalços, a pentear uns cabelos compridos, a matar piolhos. Era mulher de uns trinta, trinta e cinco anos, gasta pela bebida, mas ainda com uns restos de graça no rosto caboclo. Ficara a ouvi-lo com o pente na mão. Depois riu, como se a proposta a divertisse:

- Inhô, não. Agora só cozinho para meu homem e pra mim. Ele nem quer ouvir falar nisso.

A voz do homem vinha lá de dentro:

- Quem é, Mariazinha?

- Um doutor procurando cozinheira. Tá me oferendo… diz que paga bem…

- Diga a ele para ir para o diabo que o carregue. Aqui não tem cozinheira nenhuma.

- O senhor tá vendo? Ele é assim: nem quer ouvir falar em me empregar. Ciumento… Por dá cá essa palha faz um fusué medonho… É sargento da polícia – contava prazerosa, como a mostrar quanto valia.

- O que é que tu ainda está dando prosa a estranho, mulher? Manda o homem embora antes que eu me zangue…

- É melhor vosmicê ir capando o gato…

Voltava a pentear os cabelos procurando piolho entre os fios, as pernas estendidas ao sol. Nacib sacudiu os ombros:

- Não sabe de nenhuma?

Nem respondeu, apenas balançou a cabeça.


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